Primeiro pelo abandono. Depois, dentro da jaula.
Daqui de Camocim, no Ceará, de onde escrevo, ouso afirmar qur Gerson de Melo Machado, o Vaqueirinho, 19 anos, não morreu apenas ao ser atacado por uma leoa no Parque Zoobotânico Arruda Câmara, em João Pessoa. Ele vinha, conforme infinitos depoimentos de pessoas que o conhecia, morrendo aos poucos há muito tempo. Morreu, primeiro, quando foi abandonado ainda criança. Morreu quando o Estado falhou. Morreu quando virou invisível.
A história dele, conforme relatos e documentos, não começa no zoológico. Começa nos abrigos, nas idas ao Conselho Tutelar, nos surtos sem tratamento contínuo, nas portas de CAPS que se abrem e se fecham sem resolver. Um jovem com transtornos mentais, sem família estruturada, sem acompanhamento firme, solto à própria sorte. Um problema empurrado com a barriga até virar tragédia.
No dia em que entrou na jaula, não houve milagre, nem surpresa. Houve desfecho. Ele escalou, entrou, foi atacado e morreu. A leoa fez o que qualquer leoa faria. Instinto puro. Animal não julga, não escolhe, não responde por debate moral. Quem responde é a sociedade. Quem responde é o poder público.
A Polícia Civil da Paraíba apura se houve surto ou tentativa de suicídio. A burocracia segue seu curso. Mas o essencial já se sabe. Vaqueirinho não caiu ali por acaso. Ele foi empurrado por anos de omissão.
Nas redes sociais, há dois Brasis em choque. Um que se solidariza e enxerga um jovem doente abandonado pelo sistema. Outro que prefere resumir tudo a irresponsabilidade individual. Ambos erram quando isolam o problema. Não é só doença. Não é só escolha. É abandono institucional.
O caso incomoda porque revela a falência de um modelo que finge cuidar de quem mais precisa. Libera, solta, encaminha, arquiva. E depois lamenta.
Vaqueirinho não morreu por causa da leoa. Morreu porque, antes dela, já tinha sido devorado pela indiferença.
Carlos Jardel

