“O programa não apenas foi criado às vésperas do ano eleitoral, como teve sua estrutura duplicada exatos seis meses antes do pleito.”
Dando continuidade a nossa série de matérias sobre o parecer do Ministério Público Eleitoral de Camocim, assinado pelo promotor eleitoral Victor Borges Pinho, que solicita a cassação dos mandatos da prefeita Betinha e de sua vice, Monica Aguiar, por abuso de poder político e econômico, destacamos as manobras por trás do programa “Saúde Mais Perto”, que, segundo o Promotor, foi criado e ampliado com o claro objetivo de influenciar o resultado das eleições de 2024.
O promotor explicou que o “Saúde Mais Perto”, que consistia em consultas médicas e odontológicas ofertadas por trailers adaptados como consultórios móveis, só foi oficialmente implantado em 11 de outubro de 2023, conforme documentos apresentados pelo próprio Município, mesmo com testemunhas da defesa tentando sustentar uma origem anterior.
“A versão das testemunhas, ambas funcionárias da Prefeitura e arroladas pela própria defesa, carece de credibilidade e foi desmentida por documentos oficiais”, disse Pinho. “O programa não apenas foi criado às vésperas do ano eleitoral, como teve sua estrutura duplicada exatos seis meses antes do pleito.”
Segundo o promotor, a administração de Betinha ampliou o programa com a locação de dois novos consultórios móveis no dia 2 de abril de 2024, com base em licitação recente, o Pregão Presencial nº 2024.02.20.001. Para o Ministério Público, o cronograma não foi coincidência, mas sim estratégia: “A ampliação súbita e direcionada de um programa recém-criado, sem previsão legal, em pleno ano eleitoral, denuncia sua natureza eleitoreira.”
O parecer também enfatiza que o “Saúde Mais Perto” não estava previsto na Lei Orçamentária de 2023, nem era programa social já em execução orçamentária anterior, violando flagrantemente o §10 do art. 73 da Lei das Eleições (Lei 9.504/97). O artigo proíbe a distribuição de bens ou serviços em ano eleitoral, salvo em situações específicas, nenhuma das quais se aplica ao caso.
“O programa foi parido fora do tempo legal, lançado no apagar das luzes de 2023 e turbinado em 2024, com recursos públicos, para fins eleitorais evidentes”, pontua o promotor. “É a Administração Pública sendo convertida em instrumento de campanha, em afronta direta à paridade de armas entre os candidatos.”
Mais grave ainda, segundo o Ministério Público, foi a utilização do programa como vitrine de campanha nas redes sociais. Em setembro de 2024, a própria prefeita divulgou vídeo em seu perfil oficial de campanha no Instagram, no qual faz pedido explícito de voto e menciona que mais de quatro mil pessoas foram atendidas pelo programa. O dado, apresentado como trunfo político, serviu como munição para o parecer ministerial: “Trata-se de admissão cabal do uso eleitoreiro da ação governamental.”
Embora o promotor descarte a caracterização de compra direta de votos (captação ilícita de sufrágio, art. 41-A da Lei 9.504/97) , já que não houve entrega de benefício individualizado com pedido direto —, ele afirma que a gravidade da conduta analisada é suficiente, por si só, para comprometer a legitimidade do pleito.
“A estrutura da Prefeitura foi mobilizada, com recursos públicos, para beneficiar diretamente uma candidatura específica, em detrimento dos demais concorrentes. Isso é abuso de poder. Isso é fraude ao processo eleitoral. E isso exige resposta institucional severa”, escreve Dr, Victor Pinho.
O parecer conclui com a defesa firme da aplicação do §5º do art. 73 da Lei Eleitoral, que prevê a cassação do registro ou diploma do candidato beneficiado por conduta vedada, nos casos de utilização indevida de programas públicos em ano eleitoral.
O que está em jogo, segundo o promotor, não é apenas o futuro político da prefeita e da vice, mas o próprio respeito às regras do jogo democrático. “A democracia não pode ser moldada ao gosto de quem está no poder. O poder é serviço, não trampolim para perpetuação no cargo”, sentencia o membro do Ministério Público.
Carlos Jardel