Hoje é Sexta-feira da Paixão. Dia de silêncio, dor e memória. Dia em que recordamos a paixão e morte de Jesus na cruz. Mas também é dia de olhar ao nosso redor — e perceber quantos ainda continuam sendo crucificados todos os dias.
Jesus não morreu de causas naturais. Foi condenado por um sistema injusto, por desafiar o poder religioso e político, por estar ao lado dos pobres e dos excluídos. Sua cruz foi o preço por ter amado demais e denunciado demais. Ele incomodou — e por isso mataram-no.
A Teologia da Libertação nos lembra: a cruz de Cristo se repete hoje, em cada corpo faminto, em cada jovem negro assassinado, em cada mulher silenciada, em cada trabalhador explorado, em cada morador de rua invisível em cada relação homoafetiva preconceituada e odiada. A paixão continua — não nos Evangelhos apenas, mas nas esquinas, nas favelas, nas filas humilhantes por uma cesta básica.
E enquanto o povo sofre, há quem se aproveite da fé para fazer espetáculo, usar a dor como palco, transformar a religião em escudo para manter privilégios. Isso não é cristianismo. É distorção. É traição à cruz.
Sexta-feira da Paixão é convite à reflexão profunda: de que lado estamos? Do lado dos que assistem à crucificação de braços cruzados? Ou do lado daqueles que, como Maria, permanecem firmes aos pés da cruz — solidários, indignados, resistindo?
Celebrar a Paixão de Cristo é assumir compromisso com os crucificados da história. É não aceitar que a fé seja usada para justificar a opressão. É anunciar, mesmo em meio à dor, que a última palavra não será do ódio, mas da vida. Não da cruz, mas da ressurreição.
Que esta Sexta-feira da Paixão nos ajude a fazer silêncio — mas não silêncio cúmplice. Um silêncio que escuta, que sente e que se levanta, em nome da justiça e da dignidade humana.
Porque, como dizia Dom Hélder Câmara: 'Não aceito a cruz como destino, mas como missão.'
Carlos Jardel