Ministérios, autarquias e demais órgãos da Administração Pública Federal passaram a incluir, nos contratos de repasse de verbas feitos com estados, municípios e ONGs, uma cláusula que prevê o acesso dos órgãos de controle da União à movimentação financeira das contas bancárias utilizadas para receber os recursos. A medida, que também prevê o acesso dos próprios órgãos responsáveis pela liberação da verba às informações financeiras, faz parte de um conjunto de propostas apresentadas pela Advocacia-Geral da União (AGU) no âmbito da Estratégia Nacional de Combate à Corrupção e Lavagem de Dinheiro (Enccla) para reforçar o monitoramento do uso do dinheiro público.
Criada em 2003, a Enccla é uma parceria entre diversos órgãos públicos e entidades da sociedade civil com o objetivo de coordenar e sistematizar as ações de prevenção e combate a irregularidades. O acompanhamento das movimentações em contas que recebem dinheiro público, seja por meio de convênios, fundos ou qualquer outra espécie de repasse, foi uma das propostas apresentadas e encabeçadas pela AGU na plenária da entidade realizada em novembro de 2013.
As propostas elaboradas pela Enccla não têm força de norma legal, mas como são respaldadas por um conjunto de instituições reconhecidas pelo importante papel que desempenham no combate à corrupção, são capazes de influenciar os procedimentos administrativos de órgãos públicos. Foi desta maneira que a sugestão da AGU para incluir a cláusula que libera o acesso aos dados bancários das contas nos contratos passou a ser utilizada, cada vez mais, pela Administração Pública Federal.
Outra sugestão apresentada pela AGU para implantar o monitoramento das contas que recebem dinheiro público que também já se concretizou é a elaboração, por parte da Receita Federal, de um cadastro de CNPJs de entes públicos. O objetivo é facilitar a identificação das contas bancárias que movimentam recursos federais.
Resistência
A implantação de um monitoramento mais efetivo ainda esbarra, contudo, na resistência que alguns bancos têm a fornecer os dados. Alegando que permitir o acesso violaria o sigilo dos clientes, parte das instituições financeiras dificultam o controle do uso do dinheiro público pelos órgãos de fiscalização.
A AGU se esforçou para contornar este obstáculo de diversas formas. Uma delas foi sugerir uma alteração na legislação brasileira para deixar claro que contas bancárias que recebem dinheiro público não devem estar submetidas às mesmas regras de proteção do sigilo que contas comuns de indivíduos e empresas.
As alterações sugeridas pela AGU, adaptações do texto de dois projetos de lei que tramitam no Congresso Nacional, os PLs nº 135/2012 (Senado) e nº 237/2013 (Câmara dos Deputados), pretendem não só dar efetiva transparência às contas públicas, mas também proibir o saque em espécie.
Outra foi tentar assegurar, nos tribunais, o acesso aos dados. A AGU encaminhou um ofício à Procuradoria-Geral da República (PGR) sugerindo que o Ministério Público obtivesse, no Supremo Tribunal Federal (STF), uma decisão que deixasse claro que as contas bancárias públicas não devem ser sigilosas caso algum processo sobre o assunto seja julgado.
Em um caso concreto que já estava sendo analisado pela Justiça, a AGU conseguiu, por meio de um recurso da Procuradoria-Regional da União da 1ª Região (PRU1) acatado pelo Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF1), garantir que a Polícia Federal tivesse acesso direto a contas do Banco do Brasil que recebem repasses financeiros federais.
A AGU também pediu à Federação Brasileira de Bancos (Febraban) que se posicionasse oficialmente sobre o monitoramento das contas públicas. "Se a Febraban manifesta uma posição favorável ao acesso, não precisa mais de ação judicial, não precisa nem incluir mais cláusula em convênio, porque significaria que os próprios bancos entendem que esse acesso direto é viável. Mas como existe esta resistência dos bancos, a medida mais fácil seria mesmo uma alteração legislativa", explica o Coordenador de Recuperação de Ativos do Departamento de Patrimônio e Probidade (DPP) da Procuradoria-Geral da União (PGU), Eduardo Alonso Olmos.
O acesso às informações das contas que recebem dinheiro público facilita o monitoramento de movimentações suspeitas ao permitir identificar autores de saques e beneficiados por transferências. Mas também representa uma mudança de paradigma no combate à corrupção, deslocando o foco da recuperação de verbas desviadas para a prevenção. "Queremos evitar que seja necessária recuperar aqueles valores. Fiscalizando e verificando o destino do dinheiro, evitamos que seja preciso fazer uma ação penal, ou uma de improbidade. Se você deixa de ajuizar uma ação de recuperação de ativos porque isso de alguma forma foi inibido em uma outra fase, estamos otimizando nosso trabalho e focando onde é necessário", completa Eduardo Olmos.
Dados fiscais
Outra proposta de combate à corrupção apoiada pela AGU, esta apresentada na última plenária da Enccla, em novembro deste ano, é o compartilhamento de dados fiscais por órgãos públicos. "Os dados fiscais são os mais importantes para identificar bens e laranjas dos devedores e recuperar valores. Isso porque entre os dados fiscais não estão apenas a declaração de bens e rendas. Se você comprou um imóvel e faz uma escritura pública, o cartório é obrigado a comunicar a Receita, que fica sabendo mesmo que não seja declarado", detalha o Coordenador de Recuperação de Ativos da AGU, Eduardo Alonso Olmos.
A iniciativa é considerada fundamental para rastrear a evolução patrimonial de autores de irregularidades, mas também esbarra no entendimento de parte da Justiça de que a Receita Federal só pode permitir o acesso aos dados por outros órgãos de controle quando autorizada judicialmente. Para a AGU, a exigência é um obstáculo que reduz a eficiência das ações de recuperação de verbas desviadas pela corrupção. "Pedir autorização judicial pode demorar muito, e o tempo corre contra nós na recuperação de ativos. Sem informação, não há recuperação de ativos", finaliza o advogado da União.
Ceará News, com informações da AGU