O Revista Camocim reproduz o artigo extraído da Adital, de autoria do Pe. Alfredo J.Gonçalves.
No terreno fecundo do silêncio
nasce, cresce e matura a Palavra. Não as palavras, no plural e com letra
minúscula, constituídas não raro por um palavreado oco, vazio e estridente, sem
qualquer conteúdo. Mas a Palavra, no singular e com letra maiúscula, aquela que
traz consigo um sentido vivo, criativo e libertador. Por isso é que pouco ou
nada tem a dizer quem se revela incapaz de silenciar. Quantas vezes quem não
sabe o que dizer põe-se, sem mais nem por que, a falar! Limitar-se-á a imitar a
si mesmo ou aos outros, reciclando as palavras ao invés de recriá-las. Bem diz
o ditado popular que "quem não reflete se repete”. Somente será capaz de
dizer algo novo e verdadeiro quem é igualmente capaz de calar e ouvir. O sábio
ensina a desconfiar de quem fala demais e o coração aflito e desesperado sabe
que muito diz quem pouco fala. O silêncio, quando não fruto de um mutismo
encerrado sobre si mesmo, costuma ser mais eloquente que todo vão palavrório.
Três aspectos formam uma conditio
sine qua non para que a preparação da terra onde o silêncio revela toda a
fertilidade da Palavra: parar, repousar e silenciar. De fato, quem não é capaz
de parar, tampouco será capaz de dar novos passos. Sem um discernimento
contínuo e apropriado, atropela-se a si mesmo e aos demais. Vive multiplicando
repetidamente os próprios passos ou os passos alheios, sem dar-se conta que
estes, muitas vezes, não passam de atalhos equivocados. Claro que é mais fácil
caminhar sempre, mover-se a todo custo, correr em qualquer direção e fazer
muitas coisas. Fazer, fazer, fazer... coisas, coisas, coisas... A sociedade
moderna e pós-moderna, marcada pela revolução tecnológica e informática, nos
impele cotidianamente a isso: produção, produtividade, consumo e ativismo.
Difícil é fazer uma parada para reflexão, avaliação e renovação do próprio
caminhar. Mas uma coisa é certa: nenhum carro chegará ao próprio destino se não
estiver disposto a parar nos postos de abastecimento. Eis o ponto: parar, abastecer
para prosseguir a viagem.
Vale o mesmo para o conceito de
repousar. No contexto atual da economia globalizado e do mundo em
"agitação febril”, repousar parece um luxo desnecessário e até mesmo
inútil. O importante é acumular fatos e feitos, estar sempre em movimento,
aparentar ação. Não poucas vezes, porém, um momento de repouso, para avaliação
e retomada, pode trazer maior e melhor benefício que horas, dias e mesmo meses
de atividade sem descanso. O verdadeiro repouso, como sabemos, tem raízes bíblicas.
Diz o Livro do Gênesis que Deus fez o mundo em seis dias e, no sétimo,
descansou. Daí a tradição do sábado ou domingo, Dia do Senhor, não um tempo
para ser desperdiçado, mas para "demorar-se extasiados com aquele que
sabemos que nos ama”, como lembra Santa Teresa D’Ávila. Somente uma boa parada
e um bom repouso nos proporciona o equilíbrio necessário para tomar novamente o
trabalho. Novas e difíceis decisões nos esperam! É preciso estar em paz consigo
mesmo e com os outros para tomar resoluções acertadas.
Chegamos, por fim, à necessidade
de silenciar. Parar, repousar, silenciar são reflexos de um mesmo e único
espelho. Espelho de dupla dimensão, cuja imagem retorna sobre nós mesmos e nos
interpela: ao mesmo tempo que mostra nossas imperfeições, debilidades e
fraquezas, também aponta nossas energias e potencialidades, bem como nossa
vontade de acertar. É justamente nesse confronto entre as erros e falhas,
perguntas e dúvidas, de um lado, e o firme desejo de superá-las, de outro, que
se engendram palavras temperadas pelo condimento do silêncio. As únicas que,
implícita ou explicitamente, conduzem à Palavra e que, por isso mesmo, trazem a
força e a mística de vida nova, de criatividade e de libertação. As únicas
dignas de serem ditas e ouvidas, penetrando profundamente no coração, na alma e
nas entranhas mais íntimas ocultas de nosso ser.
Akureyri. Islândia, 3 de julho de
2014

