
Além da beleza natural, as praias cearenses se notabilizam por outras modalidades de atração turística, como os passeios pela faixa litorânea. Cavalos, jangadas e buggys são os tipos mais comuns, mas há algum tempo, os quadriciclos têm se inserido nessa rota. Com a promessa de ofertar viagens com mais adrenalina, esses veículos contrariam, entretanto, normas estabelecidas pelo Departamento Estadual de Trânsito (Detran-CE), além de oferecer riscos para a segurança de quem os pilota ou apenas transita pela área onde os pequenos tratores circulam.
Uso do equipamento é permitido apenas em áreas privadas. Foto:Kléber A. Gonçalves
Diário do Nordeste
A morte de uma estudante de 17 anos após um acidente envolvendo um quadriciclo, no último dia 4, na praia do Presídio, em Aquiraz, abre espaço para uma questão que tem se tornado rotina nas praias cearenses: o tráfego intenso desses veículos sobre dunas e até mesmo em áreas de banhistas. De acordo com o Detran, os quadriciclos são, originalmente, implementos agrícolas, tendo a mesma classificação de equipamentos como os tratores, além de serem proibidos de transitar em áreas públicas, a exemplo das praias.
Mesmo com a proibição, é cada vez mais comum encontrar esse tipo de veículo circulando na faixa litorânea, como na praia do Cumbuco, em Caucaia, na Região Metropolitana de Fortaleza (RMF), um dos pontos de encontro de pilotos de quadriciclos. Equipados com capacetes, botas, luvas e balaclava, uma espécie de máscara que protege o rosto e o pescoço, eles se reúnem semanalmente, em um posto de gasolina do local, para praticar o que classificam como “um dos melhores esportes que existe”.
Esporte
O comerciante Roberto Félix, 50, começou a pilotar quadriciclos há cerca de seis anos e garante que o grupo toma todas as providências para não oferecer nenhum risco às pessoas alheias ao esporte. “Se der algum problema, os prejudicados seremos nós mesmos”, certifica. Quando questionados sobre a proibição do uso de quadriciclos, os pilotos não hesitaram na resposta: “Esse é o esporte que nós gostamos de praticar, vamos deixar de ter nosso lazer?”, disse um deles, que não quis se identificar.
Nas vias situadas próximo ao local onde os pilotos se encontram, entretanto, as reclamações dos moradores complementam a lista de argumentos contrários ao uso do equipamento. Na Rua Apóstolo Paulo, principal via de acesso para as dunas, troncos de árvores e pedras amontoadas na lateral da rua demonstram as tentativas frustradas dos moradores de deter o trânsito desses veículos.
“A gente tenta montar barricada para eles não passarem, mas não tem jeito, eles não respeitam ninguém”, lamenta a comerciante Maria Santina Nascimento, 56. Poeira, barulho e buracos no calçamento da rua são alguns problemas apontados por Santina, causados, segundo ela, pelo trânsito de quadriciclos.
A dona de casa Vilani Nascimento da Silva, 58, também se sente prejudicada e relata que, algumas vezes, os quadriciclos trafegam até durante a noite pela rua, em busca das dunas. “Recentemente, meu sobrinho neto de 4 anos foi atropelado por um deles e teve a perna quebrada”, conta. Segundo os moradores, diversas reclamações já foram feitas junto à Prefeitura de Caucaia, mas o problema persiste e número de veículos desse tipo trafegando pelo local aumenta.
Fiscalização
O controle sobre o movimento de quadriciclos em vias públicas fica a cargo do Detran. Nessas áreas, a determinação é clara: os equipamentos desse tipo que forem flagrados transitando terão de ser recolhidos e encaminhados ao depósito do órgão. Já nas regiões de morros, as regras sobre a circulação de veículos são definidas por cada município, por isso, as blitze do Detran não avançam sobre as dunas.
Na praia do Cumbuco, a Autarquia Municipal de Trânsito (AMT) é o órgão responsável pelo controle dos quadriciclos na região. Segundo o presidente da AMT, Cel. Antônio Gonzaga Moreira, em locais isolados, longe de banhistas, o fluxo dos equipamentos é liberado, ainda que descumpra a proibição do Detran. Apenas os quadriciclos que transitarem próximo de banhistas ou forem pilotados por menores são apreendidos pela AMT e encaminhados ao
Detran.
A concentração de quadriciclos em área residencial, entretanto, vai ser estudada com cautela. Conforme o secretário de Turismo, Cultura, Esporte e Juventude de Caucaia, Silvio Soares Lobato, a Prefeitura vai receber uma comissão de moradores para encaminhar um abaixo-assinado ao Ministério Público, na tentativa de solucionar o problema. Segundo o gestor, estão sendo pensadas ações da Prefeitura para controlar o fluxo na região, como intensificar a fiscalização.
As praias de Aquiraz, no litoral leste, também integram os destinos escolhidos pelos pilotos de quadriciclos. Segundo a diretora interina do Departamento Municipal de Trânsito de Aquiraz (Demutran), Débora Lima, a movimentação intensa é nas praias do Porto das Dunas e Presídio. Na alta estação, a fiscalização é reforçada, mas o tráfego de quadriciclos nas dunas é liberado. Da mesma forma como em Caucaia, só a movimentação em área de banhista ou via pública e condução por menor acarreta na apreensão do veículo.
Jéssica Colaço
Repórter
FIQUE POR DENTRO
Montadoras não querem registro no Detran
Os quadriciclos não possuem registro veicular junto ao Departamento Estadual de Trânsito (Detran-CE), por isso, não são exigidos itens de segurança ou mesmo habilitação para quem conduz o equipamento. Segundo a assessoria de comunicação do órgão, as próprias empresas que montam esse tipo de veículo não têm interesse em regulamentá-los para circular em vias públicas porque teriam que aumentar sua estabilidade e inserir o número de chassi.
Os quadriciclos apreendidos pelo Detran são encaminhados para o depósito e só podem sair de lá após o pagamento de taxas (R$ 67,39, mais R$ 9,62 por dia em que ficou no depósito) e rebocado por guincho.
Decreto municipal desrespeita a lei
No município de Caucaia, na Região Metropolitana de Fortaleza, o descumprimento de normas vai além da ocupação das dunas por pilotos autônomos de quadriciclos. A Prefeitura consolidou, por meio de decreto, a autorização para o trânsito desse tipo de veículos em áreas públicas, mesmo a circulação dos quadriciclos sendo proibida pelo Departamento Estadual de Trânsito (Detran-CE).
Mesmo com autorização da Prefeitura e cadastro na associação, os quadriciclos da orla de Caucaia descumprem normas nacionais FOTO: KLÉBER A. GONÇALVES
Segundo o texto da lei municipal nº 2.263/11, o fluxo desse tipo de veículos, sob a responsabilidade da Secretaria de Transportes, é liberado para passeios turísticos e deve seguir apenas pelas áreas definidas pela Prefeitura. As regiões demarcadas compreendem trechos areia fofa, próximos da beira-mar. Nesse percurso, podem circular apenas quadriciclos ligados à Associação de Locadores de Quadriciclos do Cumbuco (ALQC) e devidamente pilotados por guias turísticos treinados.
De acordo com a presidente da ALQC, Patrícia Maia, 30, quadriciclos possuem registro na associação e têm permissão para realizar passeio no trecho, que vai desde a barraca Velas até a Lagoa do Cauípe. "No trajeto, a gente acaba passando perto de banhistas, mas nossos guias procuram ser cautelosos", explica.
A assessoria de comunicação do município informou que o Município está realizando um estudo que deve culminar na regulamentação dos quadriciclos, com a definição de rotas ainda mais específicas para os equipamentos, mas deve fazer uma reavaliação, junto ao departamento jurídico, para que as novas regras não desrespeitem as normas nacionais.
Formalização
A regulamentação prevista pela Prefeitura deve incluir, além dos quadriciclos, os jangadeiros e cavaleiros, responsáveis pelos passeios turísticos mais tradicionais da orla de Caucaia, especialmente na praia do Cumbuco. A medida deve criar caminhos específicos para cada um dos passeios, capacitar os profissionais que promovem essas atividades e criar associações responsáveis por cada categoria.
De acordo com o secretário de Turismo, Cultura, Esporte e Juventude do município, Silvio Soares Lobato, o trabalho está sendo realizado, inicialmente, com os cavaleiros. "Estamos cadastrando cerca de 60 cavaleiros e criando uma rota para eles, que deve começar 150 metros distante das barracas", explica.
Após a regulamentação, a gestão vai fazer blitze educativas, orientando os cavaleiros a seguirem as determinações para o passeio. A oficialização desses passeios deve ser concluída até o fim deste mês, e as blitze devem se iniciar em fevereiro, de acordo com o secretário.