Eis aí a grande questão que
tem abalado os cristãos desde tempos imemoriais. É possível conciliar essas
duas dimensões fundamentais da vida humana: FÉ E POLÍTICA? Os cristãos/ãs podem
e devem se envolver em manifestações e atividades de cunho sociopolítico? Essas
e outras questões ligadas ao tema precisam ser aprofundadas e refletidas à luz
da vida e dos ensinamentos de Jesus Cristo, o profeta de Nazaré. Dessa forma,
nossa resposta será mais consciente e autêntica.
Se entendermos a política como “toda e
qualquer ação pelo bem comum”, perceberemos que a vida de Jesus foi um grande
ato político. Sua opção pelos pobres e excluídos, pela vida e pela justiça
levaram-no a um intenso conflito contra o modelo politico-religioso vigente na
sociedade de sua época. Quando lemos os
textos dos Evangelhos, percebemos que as suas palavras são duras e cheias de
autoridade frente aqueles que usam do poder político para oprimir e dominar:
“vocês carregam o povo com fardos difíceis de levar, e nem sequer com um dedo
tocam nesses fardos” (Lc 11,46). O Galileu enfrenta o poderoso Rei Herodes,
taxando-o de raposa (Lc 13,32). Mais ainda, Ele questiona a legitimidade dos
responsáveis da nação judia: “Eles serão expulsos, como aconteceu com os
gerentes da plantação de uvas; essa será entregue a outros.” (Mc. 12,9). Assim,
Jesus enfrenta os conflitos gerados pelo sistema político das autoridades da
Palestina, desmascarando a falsidade e a opressão. A sua morte, e, diga-se de
passagem, uma morte violenta, foi, portanto, uma consequência de sua missão e
de seu projeto essencialmente político.
Podemos concluir, sem a menor
sombra de dúvida, que FÉ E POLÍTICA NÃO SE SEPARAM. Embora diferentes,
destinam-se ao mesmo objetivo: REALIZAR O PROJETO DE DEUS NA HISTÓRIA. As
Igrejas cristãs, de um modo geral, não podem ser partidárias e nem assumir o
lugar do aparelho estatal, mas podem e devem ser conscientizadoras e
proféticas, assumindo a defesa intransigente da justiça, da ética e da
dignidade humana. Vejamos o que o magistério da Igreja Católica nos ensina
sobre o assunto:
No documento Catequese Renovada, nossos
pastores afirmaram categoricamente: “Os cristãos, como cidadãos do mundo, têm
uma missão irrenunciável nas diversas instituições do mundo social e político,
para que aí se realize o Reino de Deus” (CNBB 26, 300). Para nós cristãos,
inclusive, a ação política deve ser consequência de uma fé consciente e madura.
No documento 69 da CNBB, nossos bispos ensinam: “Os profetas acentuam a
inseparável ligação do culto a Deus e a prática da justiça, na defesa dos
direitos dos oprimidos, no sustento dos pobres e no compromisso com a causa da
viúva”. (CNBB 69, 24). No 67, já haviam afirmado: “A Igreja assume sua missão
no campo político, visando formar as consciências cristãs de que há uma relação
intrínseca e, portanto, indissociável, entre vida e fé, promoção humana e
missão religiosa”. (CNBB 67,26). O Papa Paulo VI foi mais longe, afirmando que
“a Política é a mais perfeita forma de vivermos o Mandamento do Amor”. Também
em Puebla 514, aprendemos: “A Política é uma mediação privilegiada da caridade
e a fé cristã a valoriza, tendo-a em alta estima”.
Não é possível mais viver
parcialmente a nossa fé cristã, desligando-a da vida concreta e da realidade
desafiadora ao nosso redor. Como discípulos de Jesus Cristo, não podemos mais
tolerar essa “politicagem” – distorção gritante do termo “POLÍTICA” - que tem
contaminado todos os setores da sociedade brasileira, com suas velhas práticas
corruptas de clientelismo e favorecimento ilícito. Comungar Jesus Eucarístico e
compactuar com essa maneira suja de fazer política é atentar gravemente contra
o Deus da Vida e condenar o seu Filho redentor novamente à morte no Calvário
Sejamos, pois, conscientes e
conscientizadores, anunciadores e denunciadores, profetas de um mundo novo que
começa em nós mesmos. Não podemos temer ou nos esquivar na hora de tocar fundo
nas grandes feridas da sociedade. Tomemos consciência de que o nosso recuo na
participação política representa o avanço daqueles que não querem se
comprometer com o bem estar do povo e muito menos com a prática da justiça
social tão necessária nos dias de hoje.
César Augusto Rocha - CNLB -
Diocese de Tianguá
Secretário Diocesano das
Pastorais
