A festa de Cristo Rei chega para concluir o calendário litúrgico e para rasgar o silêncio das horas. Não é dia para sentimentalismo religioso nem para essa mania de fabricar um Jesus macio, domesticado, que consola mas não transforma nada. Hoje a liturgia nos empurra para o centro do conflito. Cristo é Rei porque enfrenta tudo o que desumaniza. Ele governa pela coragem de colocar os pequenos no alto e derrubar as vaidades que insistem em se vestir de poder. Não há como celebrar esse dia abraçando a espiritualidade romântica que reduz o Evangelho a perfume suave. O Reino nunca foi perfume. O Reino é exigência.
E hoje, Dia do Leigo, essa exigência fica ainda mais visível. O protagonismo do povo de Deus não é prêmio de consolação. É responsabilidade pesada. O leigo que vive sua fé de verdade não se esconde atrás de devoção vazia. Ele mete os pés na realidade dura, sabe que o Evangelho não se cumpre no campo das ideias e entende que seguir Cristo Rei significa assumir a luta por dignidade, por justiça, por vida concreta melhorada na carne do povo.
Em Camocim, o encerramento da Festa do Senhor Bom Jesus dos Navegantes também carrega esse chamado. Ele é padroeiro porque atravessa com a gente as águas turbulentas da história. Não protege com promessas açucaradas. Protege com presença firme, com o convite constante à solidariedade e à coragem. Celebrar o Bom Jesus dos Navegantes é lembrar que nenhum barco chega ao porto certo se os remadores se acomodam. O povo precisa remar. A fé precisa remar. O Evangelho precisa remar dentro de nós até que a cidade inteira sinta o vento novo do Reino.
A festa de Cristo Rei, o Dia do Leigo e o Bom Jesus dos Navegantes convergem numa única verdade. Não existe fé verdadeira se ela não mova a vida, se ela não incomode, se ela não transforme. Quem quiser um Cristo inofensivo não entendeu a festa de hoje. Cristo é Rei porque é exigente. Porque é firme. Porque chama os seus a caminhar sem medo. Hoje é dia de deixar cair as ilusões e assumir a coragem que o Reino pede. Hoje é dia de ser povo que rema, fé que luta, cidade que desperta.
Carlos Jardel

