Membros do MPCE receberam até R$ 500 mil acima do teto salarial em 2024, aponta levantamento - Revista Camocim

terça-feira, 14 de outubro de 2025

Membros do MPCE receberam até R$ 500 mil acima do teto salarial em 2024, aponta levantamento


Um relatório da organização Transparência Brasil revelou que todos os membros do Ministério Público do Estado do Ceará (MPCE) receberam salários brutos acima do teto constitucional ao longo de 2024. O estudo mostrou que o pagamento de verbas extras somou R$ 93 milhões no Estado, seguindo um padrão nacional de supersalários no sistema de Justiça.


A pesquisa analisou dados de 25 unidades do Ministério Público no Brasil e concluiu que 98% dos procuradores e promotores receberam rendimentos superiores ao limite legal, totalizando R$ 2,3 bilhões em valores “extrateto”. O MPCE está entre as dez unidades onde todos os membros extrapolaram o teto.


Segundo o levantamento, 87% dos membros do MPCE receberam entre R$ 100 mil e R$ 500 mil acima do limite constitucional em 2024, enquanto 13% receberam até R$ 100 mil extras. A situação se agravou em 2025: entre janeiro e outubro, foram pagos R$ 335,2 milhões em rendimentos brutos, dos quais R$ 142,4 milhões superaram o teto.


Supersalários e subteto estadual


O teto nacional é definido pelo subsídio dos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF), atualmente em R$ 46,3 mil. No Ceará, o subteto para servidores públicos é de R$ 41.845,49. No entanto, a remuneração média mensal dos membros do MPCE foi de R$ 72,4 mil em 2025 — mais de 70% acima do subteto. O valor equivale a quase 50 vezes o salário mínimo.


Os cálculos não incluem o 13º salário e o adicional de férias, que acrescentaram R$ 16,8 milhões aos rendimentos em 2025. Promotores e procuradores também têm direito a 60 dias de férias anuais, o que dobra o adicional pago.


Privilégios corroem a confiança pública


Para Marina Atoji, diretora de programas da Transparência Brasil, os supersalários afetam diretamente a imagem das instituições públicas.


“O impacto simbólico é muito grande no comprometimento da confiança da sociedade nesse órgão e no Judiciário. Fica a percepção de que eles estão mais interessados em garantir benefícios próprios do que em prestar serviço público e defender o interesse coletivo”, afirmou.


Ela explica que a brecha que permite os ganhos acima do teto está no pagamento de benefícios indenizatórios, que não entram no cálculo do limite constitucional. “Um Ministério Público pode simplesmente baixar uma resolução criando um benefício e classificá-lo como indenizatório, sem precisar passar pelo Legislativo”, criticou.


Verbas indenizatórias impulsionam rendimentos


O MPCE integra a lista de dez estados onde todos os membros recebem “extrateto”, ao lado de Alagoas, Mato Grosso, Goiás, Amazonas, Maranhão, Rio Grande do Norte, Rio de Janeiro, Rondônia e Acre.


O levantamento identificou um promotor que recebeu R$ 91,8 mil em indenizações em um único mês, além de R$ 39,7 mil de salário, totalizando R$ 131,5 mil no mês. Casos semelhantes foram encontrados com outros membros, que chegaram a ultrapassar R$ 120 mil mensais.


“Afronta à moralidade”, diz relatório


O relatório classifica o cenário como “afronta à moralidade e racionalidade no uso dos recursos públicos”, considerando o papel do MP na defesa da ordem jurídica e do patrimônio público.


Entre os principais benefícios sem detalhamento identificados estão:


Indenizações diversas;


Verbas remuneratórias legais ou judiciais;


Indenização por licença não gozada;


Conversões em pecúnia.


A entidade também criticou o Projeto de Lei 2.721/2021, em tramitação no Senado, que amplia exceções ao teto constitucional.


Medidas defendidas pela Transparência Brasil


Definição clara e restritiva de benefícios indenizatórios;


Extinção de 60 dias de férias anuais remuneradas;


Fim da criação de benefícios por decisão administrativa interna;


Limitação de pagamentos indenizatórios ao teto;


Acesso público e irrestrito aos dados salariais.


Opacidade nos pagamentos


O estudo agrupou cerca de 4 mil rubricas de benefícios em 36 categorias gerais, mas constatou alto nível de opacidade: R$ 1,4 bilhão em pagamentos adicionais não têm descrição clara sobre sua origem.


O MPCE e o Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP) foram procurados, mas não responderam aos questionamentos até a publicação da reportagem.


Diário do Nordeste