Por Alef Divino
Atualmente, a chefe do Poder Executivo de Camocim-CE, Prefeita Betinha, recebe um provento de R$ 18.500,00, enquanto sua vice, Monica Gomes Aguiar, recebe R$ 14.500,00. Os dados constam no Portal da Transparência — ferramenta pública e de fácil acesso que revela como é gasto o dinheiro do município. Esses valores passaram a vigorar em janeiro deste ano, após leis aprovadas pela Câmara de Vereadores em 2024 elevarem os salários, que antes eram de R$ 16.500,00 para o cargo de prefeito e R$ 11.000,00 para o de vice-prefeito. O reajuste também beneficiou secretários municipais e vereadores. Embora respaldada por mecanismos legais, essa decisão escancara uma contradição da gestão: a priorização dos altos cargos enquanto servidores da base seguem desvalorizados — especialmente aqueles que atuam na linha de frente em setores essenciais das secretarias.
Sou Alef Divino, servidor público municipal de Camocim-CE há sete anos, e trago aqui um relato sobre a profunda desigualdade social e salarial que presencio desde que entrei no serviço público, explicando por que ela persiste e quais danos provoca.
O Abismo Entre a Cúpula e a Base
Enquanto prefeita, vice-prefeita, secretários e vereadores desfrutam de salários que ultrapassam — e muito — a realidade da maioria da população de Camocim, servidores essenciais, como agentes administrativos e professores, convivem com vencimentos que mal acompanham o custo de vida atual. Essa disparidade não é apenas numérica: representa o peso desigual do reconhecimento e do valor atribuído ao trabalho de cada categoria.
Um exemplo concreto: em 2024, a secretária de Saúde de Camocim-CE, Emanuelle Canafístula Oliveira e Silva, recebia R$ 7.000,00 de remuneração. No ano seguinte, teve um aumento de R$ 3.000,00, passando a ganhar R$ 10.000,00 mensais. Enquanto isso, agentes administrativos não tiveram sequer uma mínima perspectiva de reajuste salarial.
Quando um servidor da base reivindica valorização, a resposta padrão é: “procure o sindicato dos servidores públicos” — no caso, o SINSPCAM (Sindicato dos Trabalhadores, Funcionários e Servidores Públicos Municipais Efetivos da Prefeitura de Camocim). No entanto, o próprio sindicato rejeitou meu pedido para lutar por essa causa. Nem mesmo questões de insalubridade quiseram discutir, justificando a recusa com as eleições de 2024.
Já para os cargos de maior porte, como secretários e vereadores, o processo é bem mais simples: basta apresentar um projeto de lei, colocar em votação e contar com a maioria dos vereadores — maioria esta alinhada à atual prefeita de Camocim-CE.
Essa distância salarial não é apenas injusta — é desmotivadora. Servidores que atuam na linha de frente se sentem esquecidos e, muitas vezes, obrigados a buscar outra fonte de renda fora do expediente. O resultado é um serviço público enfraquecido, com profissionais sobrecarregados, menos motivados e, inevitavelmente, um atendimento menos eficiente para a população que sustenta toda a máquina pública.
Além disso, o cenário favorece o surgimento de problemas graves de saúde, como a síndrome do esgotamento profissional (burnout), ansiedade e depressão.
Na Educação, a situação não é diferente. A prefeita de Camocim, professora Maria Elizabete Magalhães, ao realizar concurso para professores, limitou a carga horária a 20h semanais, evitando assim pagar o piso salarial nacional, que é de R$ 4.867,77. Se já é difícil trabalhar em escolas com estruturas precárias, imagine com salários reduzidos (R$ 2.342,65).
Lembro da Escola Municipal Francisco Ottoni Coelho, onde atuei como professor estagiário. O local não possuía sequer um banheiro adequado para os professores — uma situação insalubre. Enquanto isso, a secretária de Educação recebe R$ 10.000,00 mensais, e muitos professores da rede municipal ganham apenas metade do piso nacional (R$ 2.342,65).
Ao não contratar professores em tempo integral e ao não investir na base da educação, a atual gestão compromete a formação das crianças e jovens de Camocim, que chegam ao ensino médio sem a preparação necessária para desafios maiores.
No fim das contas, a gestão aumenta seus próprios salários, esquece dos servidores públicos de base e, consequentemente, prejudica a população — que é, ironicamente, quem banca essa desigualdade social.
A Urgência da Valorização e a Construção de uma Administração Pública Justa
A insistente desigualdade salarial na administração pública de Camocim-CE é um reflexo claro da falta de compromisso com a justiça social e a valorização do servidor público. Ao privilegiar os altos cargos com aumentos expressivos, a gestão reforça um modelo excludente que marginaliza os profissionais da base, aqueles que, dia após dia, sustentam o funcionamento do município.
Imagine quem da parte administrativa ficou na linha de frente em período de pandemia? Prefeitos, vice-prefeitos? A secretária de Saúde? Vereadores? Não, jamais! Foram os agentes administrativos, todos os dias, até mesmo em feriados, como Carnaval (em um dos anos), sem recesso adequado (nem para descanso). Mas são os altos cargos que podem e aumentam os próprios salários. É uma falta de sensibilidade horrível da gestão.
Posso até relatar uma situação absurda que vivi com um funcionário da Ouvidoria da Prefeitura de Camocim-CE — cujo nome não sei, mas citá-lo faria sentido caso soubesse — que me chamou de extremista apenas porque reclamei do meu salário atual. Segundo ele, não havia motivo para isso, já que meu salário supostamente aumentava todos os anos, acompanhando o reajuste do salário mínimo. Fiquei, claro, provocado por tamanha falácia, que facilmente enganaria uma pessoa sem conhecimento. Porém, ficou evidente que esse tipo de gente usa argumentos frágeis, falsos e toscos para encerrar o debate, desqualificar o interlocutor e evitar uma conversa verdadeira, pois não têm como contra-argumentar com fundamentos sólidos.
Essa desigualdade não pode mais ser ignorada, pois gera um ciclo vicioso: servidores desmotivados, adoecidos e desvalorizados tendem a oferecer um serviço público cada vez mais precário, o que afeta diretamente toda a população. Além disso, a falta de diálogo e de negociação efetiva, exemplificada pela rejeição do sindicato às demandas legítimas, agrava ainda mais esse cenário.
Para transformar essa realidade, é imprescindível a adoção de políticas salariais e administrativas que reconheçam e valorizem a importância dos servidores da base. Isso inclui reajustes compatíveis, discussão sobre adicionais, condições dignas de trabalho e investimentos em capacitação. Além disso, o diálogo aberto entre gestão e servidores da categoria é fundamental para a construção de soluções que contemplem as necessidades reais do serviço público e garantam o respeito àqueles que dedicam suas vidas ao município.
O silêncio da gestão, da prefeita Betinha e da vice-prefeita Monica Aguiar, além de todos os vereadores da Câmara Municipal de Camocim-CE, é o que mais aumenta essa desigualdade social que existe entre servidores da base e o topo da gestão.
Somente com uma administração pública que valorize de forma equânime todos os seus servidores será possível romper o ciclo da desigualdade e promover um serviço de qualidade para o povo de Camocim-CE. Está na hora de quebrar o ciclo de mandatos de prefeitos e vereadores com gestões medíocres, e pensar bem no futuro de Camocim-CE.
Conclusão
Servidores públicos e população, não podemos continuar aceitando que a desigualdade salarial se perpetue em nossa administração pública, aprofundando a distância entre quem governa e quem realmente trabalha para o município funcionar. A valorização dos servidores da base não é luxo, não é ostentação, é uma necessidade urgente para garantir serviços públicos dignos e eficientes para toda a população.
Chega de silêncio, omissão e privilégios para poucos. É hora de exigir transparência, justiça e respeito para os trabalhadores que dedicam a vida ao serviço público do município. O futuro de Camocim-CE depende de uma gestão comprometida com a equidade e a valorização real de todos os seus servidores — uma gestão que priorize qualidade nos serviços, e não em garantir que a prefeita aumente seu salário em R$ 2.000,00, que a vice-prefeita (ex-prefeita) assuma um cargo com aumento salarial de R$ 3.500,00, que seus secretários municipais recebam R$ 3.000,00 a mais, e que vereadores tenham reajustes — tudo isso enquanto a base está estagnada há anos no salário mínimo.
Isso é uma vergonha sem limites, uma falta de ética enorme. Estamos falando de gestão pública, de dinheiro público — que esta gestão conduz de forma irresponsável e egoísta.
Que esta mensagem ecoe entre os cidadãos e sirva como um chamado à reflexão e à ação. Porque, no fim das contas, quem ganha com uma administração justa é toda a nossa cidade: população e turistas.
REFERÊNCIAS
Lei Municipal nº 1.501/2020 – Câmara Municipal de Camocim (CE)
CAMOCIM (CE). Câmara Municipal. Lei Municipal nº 1.501, de 30 de dezembro de 2020. Estabelece os subsídios do Prefeito, Vice-Prefeito e Secretários Municipais para o exercício de 2021. Disponível em: https://www.camaracamocim.ce.gov.br/arquivos/40/LEI%20MUNICIPAL_1501_2020_0000001.pdf. Acesso em: 10 ago. 2025.
Lei Municipal nº 1.649/2024 – Câmara Municipal de Camocim (CE)
CAMOCIM (CE). Câmara Municipal. Lei Municipal nº 1.649, de 29 de janeiro de 2024. Concede reajuste de vencimentos aos servidores públicos municipais, em decorrência da revisão geral do salário mínimo. Disponível em: https://www.camaracamocim.ce.gov.br/arquivos/247/LEI%20MUNICIPAL_1649_2024_0000001.pdf. Acesso em: 10 ago. 2025.
Portal da Transparência – Prefeitura Municipal de Camocim (CE)
CAMOCIM (CE). Prefeitura Municipal. Portal da Transparência. Disponível em: https://www.governotransparente.com.br/transparencia/folha/11949487. Acesso em: 10 ago. 2025.
CAMOCIM (CE). Prefeitura Municipal. Edital nº 001/2024 – Cargos Gerais (retificado em 26 de junho de 2024). Concurso Público para diversos cargos, com coordenação do Instituto Consulpam. Camocim, 26 jun. 2024. Disponível em: https://www.consulpam.com.br/arquivos/20240626_170440_CAMOCIM%20EDITAL%20001.2024%20CARGOS%20GERAIS%20RETIFICADO%2026.06.pdf. Acesso em: 10 ago. 2025.