Ora, caro leitor, esse discurso do vereador Kleber Veras é, no mínimo, um deboche, um escárnio cínico dirigido a todos que ainda acreditam, ingenuamente talvez, que a gestão pública deve seguir princípios de justiça, responsabilidade e, acima de tudo, respeito aos direitos dos cidadãos e dos servidores públicos. O vereador se lança num exercício patético de retórica, frágil como um castelo de cartas ao vento, tentando enfiar goela abaixo da população uma narrativa distorcida e, francamente, ofensiva, com a ideia de que o voto popular confere à prefeita o poder de rasgar leis, ignorar compromissos e pisotear os direitos trabalhistas com a leveza de quem atravessa uma passarela.
Pergunto: senhor vereador, será que realmente acredita, ou finge acreditar, que o respaldo das urnas é uma licença para reinar com mãos de carrasco e ouvidos moucos? Em? Vossa excelência está equivocado, grotescamente equivocado. A eleição de uma prefeita não lhe dá as chaves de um feudo, nem tampouco a coroa de uma monarca absolutista. O que ela recebeu foi um mandato para governar dentro da legalidade, respeitando a Constituição, os servidores e a dignidade mínima que se espera de qualquer gestão que se pretenda democrática.
E vamos mais longe: o fato de ter vencido uma eleição não significa, necessariamente, que se trata de uma gestora comprometida ou séria. Vencer eleições pode ser apenas o reflexo de uma máquina de ilusão bem montada, não o resultado de competência administrativa. Aliás, no caso da prefeita de Camocim, nem isso está garantido. Ela está sendo processada, inclusive, por suspeita de práticas que colocam em xeque a lisura do processo eleitoral. E não se trata de boatos, o próprio Ministério Público Eleitoral afirmou que houve irregularidades, que Betinha usou a prefeitura para se reeleger, comprando votos. Ou seja, há uma diferença abissal entre ser eleita e ser legítima. Como dizia Karl Kraus, “a corrupção é pior do que o crime: é a negação da ordem que o crime ainda reconhece”.
Se a prefeita foi eleita com 4 mil votos, muito bem, isso a torna responsável por governar para os mais de 60 mil habitantes de Camocim, e não apenas para sua bolha de eleitores fiéis. A cidade não é sua herança familiar, tampouco um experimento de gestão autoritária onde servidores públicos viram peças descartáveis. E, por falar em servidores, será que o vereador já se deu ao trabalho de compreender o papel que esses profissionais da Guarda Civil Municipal e do Departamento Municipal de Trânsito desempenham diariamente? Ou será que, confortavelmente instalado em sua cadeira, prefere fazer coro a um discurso que trata esses trabalhadores como se fossem entraves a uma tal “modernização” administrativa?
Quando o vereador recorre ao argumento de que a prefeita tem “o respaldo da população”, o que ele realmente quer dizer? Que esse apoio autoriza o descumprimento do PCCR dos Guardas Civis e Agentes de Trânsito? Que a vontade popular agora tem poder de derrogar leis? Estamos diante, então, de um novo regime jurídico, onde as regras são moldadas ao sabor das conveniências políticas e das alianças palacianas?
O mais revoltante não é nem o conteúdo raso e desconectado da realidade apresentado pelo vereador. O mais escandaloso é o tom com que tenta chocar o "ovo de ouro", como se a omissão da prefeita pudesse ser maquiada com discursos sobre “crescimento” e “visibilidade”. Crescimento para quem, vereador? Visibilidade de que tipo? Porque o que se vê, de fato, é uma administração que empurra os problemas estruturais para debaixo do tapete enquanto sorri para as câmeras.
Os Guardas Civis e Agentes de Trânsito estão sendo abandonados. Estão sendo tratados como se fossem peças substituíveis numa engrenagem que só gira enquanto for conveniente. E enquanto isso, o vereador tenta justificar o injustificável com ares de autoridade, como se estivéssemos todos aqui hipnotizados pela lógica tortuosa de que a popularidade apaga a ilegalidade.
E o desrespeito, vereador, não é só com os servidores. É com a cidade inteira. É com a inteligência da população. É com a própria Câmara Municipal, que deveria servir como espaço de fiscalização e debate sério, mas que, diante de discursos como esse, se apequena. Quando o senhor tenta transformar em virtude a irresponsabilidade da gestão, está, na prática, negando os pilares da democracia, que exigem prestação de contas, transparência e, acima de tudo, compromisso com a lei.
Ao dizer que “Camocim está crescendo”, o senhor somente mostra o vazio do seu argumento. Porque nenhuma cidade cresce de verdade se ignora os que a mantêm de pé. Nenhuma cidade se desenvolve à custa da precarização do serviço público. E nenhum político que defenda esse tipo de postura pode ser levado a sério quando fala em progresso.
O vereador Kleber Veras, com sua verborragia convenientemente (lembrei do amigo radialista André Martins) moldada aos interesses do poder, tenta nos convencer de que tudo está bem quando, na verdade, tudo fede.
Carlos Jardel