Quando o templo vira palanque
É cada vez mais comum, sobretudo em paróquias de cidades do interior e em tempos eleitorais, a prática de se reservar cadeiras especiais, próximas do altar ou em destaque visível, para políticos durante as celebrações. Trata-se de um costume profundamente equivocado, que precisa ser criticado à luz do Evangelho, da Tradição da Igreja e da boa Teologia.
Mais que um gesto de "educação" ou "acolhimento", essa prática fere a essência do que é a Igreja: comunidade dos iguais, onde não há lugar para privilégios de classe, cargo ou influência.
Jesus denunciou os primeiros lugares
O próprio Cristo advertiu:
“Ai de vós, fariseus, porque amais o primeiro lugar nas sinagogas...” (Lc 11,43)
E ainda:
“Quando fores convidado, senta-te no último lugar... Pois quem se exalta será humilhado.” (Lc 14,10-11)
A lógica do Reino de Deus é inversa à do mundo: não há lugar de honra para quem ocupa cargos públicos, mas para os pobres, os humildes, os marginalizados.
A Igreja é dos pobres
O Concílio Vaticano II e o magistério recente reforçam que a missão da Igreja é caminhar com os pobres e jamais se aliar ao poder pelo prestígio. A Gaudium et Spes afirma que “as alegrias e esperanças, as tristezas e angústias dos pobres são também as da Igreja” (GS 1).
O Papa Francisco foi bastante firme ao denunciar essa tentação de prestígio clerical e mundano: “Prefiro uma Igreja acidentada, ferida e enlameada por ter saído pelas estradas, do que uma Igreja doente por ficar fechada.” (Evangelii Gaudium, 49)
Reservar cadeiras de honra a políticos dentro da missa é exatamente essa “doença espiritual”: um clericalismo disfarçado de hospitalidade.
O Testemunho dos Santos e Profetas
São Francisco de Assis, Santa Dulce dos Pobres, Dom Helder Câmara, Dom Pedro Casaldáliga, Dom Oscar Romero… Todos esses santos e profetas recusaram alianças com o poder dominante.
Dom Helder dizia:
“Quando dou comida aos pobres, me chamam de santo. Quando pergunto por que eles são pobres, me chamam de comunista.”
Essa crítica continua atual: quando a Igreja questiona privilégios, inclusive dentro da própria liturgia, incomoda. Mas é esse o papel da fé viva: denunciar, não bajular.
A Igreja não é trampolim eleitoral
Muitos políticos só aparecem na Igreja em datas simbólicas ou campanhas. Usam o templo como palco para fotos, discursos e construção de imagem. São recebidos como “autoridades”, quando a única autoridade ali deveria ser a Palavra de Deus.
Deixar que se sentem à frente, com destaque, é uma forma sutil de sacralizar o poder político. Isso fere a comunhão e escandaliza os fiéis mais pobres, que muitas vezes são os primeiros a servir, mas os últimos a serem vistos.
O lugar de quem governa é com o povo
O político que quiser rezar, que reze como qualquer cristão: no banco comum, no meio do povo. A fé não exige títulos, faixas ou cadeiras especiais. Ao contrário: exige conversão, serviço, humildade.
A celebração litúrgica é sinal do Reino. E no Reino de Deus, não há “autoridades” separadas, todos são irmãos e irmãs.
Padres a serviço do Evangelho ou do palanque?
Aqui é preciso ser ainda mais claro: padres que se aliam a políticos e lhes reservam espaço de honra nas celebrações tornam-se cúmplices de uma perversão litúrgica e pastoral. São pastores que se afastam das ovelhas para bajular os lobos.
Quando um padre permite que um político ocupe os primeiros lugares no templo, ou pior, quando o convida a subir no presbitério ou discursar, ele abandona seu papel de profeta e se torna capelão do poder.
Essa aliança entre altar e palanque tem nome: idolatria. É a substituição do Deus dos pobres pelo deus da influência, da verba pública e do favor político. O padre que se entrega a isso trai sua vocação profética, desfigura a liturgia e escandaliza o povo de Deus.
Como disse Dom Pedro Casaldáliga:
“Quem não denuncia os opressores perde o direito de consolar os oprimidos.”
É hora de escolher
A Igreja precisa escolher entre o Evangelho e o prestígio. Entre ser voz profética ou se tornar cúmplice silenciosa das vaidades do poder. Não podemos servir à mesa do Senhor e à mesa dos poderosos ao mesmo tempo.
Se queremos uma Igreja viva, pobre e para os pobres, é hora de dizer com coragem: cadeiras reservadas para políticos nas igrejas são um escândalo litúrgico e uma traição ao Evangelho.
E mais: padres que promovem essas alianças precisam ser fraternalmente exortados, com coragem e caridade, a voltar ao caminho do Evangelho.
Seja bem-vindo, político. Mas sente-se conosco. No banco comum. Como irmão.
Carlos Jardel