Por Inácio Santos
Traquinagens.
Afoitos e afeitos que éramos, moleques do rio, criados mergulhando em suas águas. Conhecíamos o rio em todas suas nuances, marés de enchente, vazante, preamar, correntezas, etc... Conhecíamos e o respeitávamos, assim como o domador acaricia a fera impondo respeito, mesmo sabendo que sua descomunal força o esmagaria, bastasse à mesma querer.
Era mais ou menos assim, nosso relacionamento com o Rio Camocim, que adentra ao oceano atlântico.
O rio era parte integrante de nossas vidas. Após gostosa pelada, um bom jogo de bila, de empinarmos pipas ou papagaios, andarmos de bicicleta, fosse o que fosse, via de regra, aliviávamos o suor, a canseira, com um delicioso banho no trampolim. Era pois o rio, nossa parceiro. Respeitávamos sua força e seus mistérios, conhecíamos sua natureza, e como bons amigos nos dávamos muito bem.
Isso acontecia no início da década dos anos setenta. Eu e meus companheiros, todos adolescentes, variando entre 13 a 18 anos, nos divertíamos nesta linda cidade. O rio em questão, já citado, era para nós, nativos, um velho e bom amigo que ali estava sempre a nos esperar, para um saudável e delicioso banho em suas águas salobras e mornas.
Das muitas estrepolias que na época praticávamos, tal como: peladas, jogos de bila, pião, corridas, bandeiras, pipas, etc... Uma das tais, era a travessia do rio a nado. Tal aventura continha certo perigo, porquanto somente iam os escolhidos.
Feito isso, lançávamo-nos a nado, levando como suporte, salva-vidas, uma câmara de ar de caminhão, caso houvesse algum imprevisto. Se alguém cansasse, ou tivesse câimbras, segurava-se na referida bóia.
Comumente nosso grupo era formado de treze a quinze amigos. Conosco levávamos uma sacola plástica contendo farinha d’água, e uma bola, para uma gostosa pelada.
Obedecendo as leis da natureza, pois sabíamos o lugar de saída, observando o desconto das correntes marítimas. Com a bênção de Deus, o vigor da juventude, o prazer pela aventura, lá íamos nós. Rindo, brincando, nadando, era uma verdadeira festa. Um sempre ao lado do outro, não nos dispersávamos, qualquer problema ajudávamo-nos mutuamente.
Chegávamos ao outro lado, atual - Ilha do amor - na oficial cartografia marítima do Brasil, consta o nome de - Ilha do Testa Branca - na época totalmente deserta, não existiam barracas, os manguezais vinham até onde hoje existem as mesmas.
Mais que ligeiro adentrávamos ao mangue, catávamos alguns robustos e deliciosos caranguejos. Numa das moitas, já tínhamos uma velha panela escondida, acendíamos uma fogueira com galhos secos, colocávamos três pedras - uma trempe - e com água do rio fazíamos uma gostosa caranguejada, para logo após a pelada, comermos com farinha d’água, acompanhado com umas goladas de jurubeba.
Após o banquete, apagávamos o fogo, escondíamos novamente a panela na moita, embaixo do enorme pé de castanholeira que hoje não existe mais, foi engolida pelas dunas.
Agora era só esperar a preamar, mudança de marés, ventos, correntezas. Já saciados e descansados, lançávamo-nos novamente nas águas do rio, fazendo verdadeira algazarra, e entre brincadeiras e risos, voltávamos felizes ao porto seguro, ou seja, para o carinho e o afeto de nossos familiares, que nem de longe desconfiavam, era nosso segredo.
Hoje ao atravessar de barco motorizado para a ilha do amor, me vem a mente, a nítida e saudosa recordação de como éramos felizes, audaciosos, aventureiros.
Mas o que seria da juventude, se não fossem os arroubos! Irresponsáveis, talvez! Mas, adrenalinamente prazerosos.
Inácio Santos