Por Raimundo Bento Sotero
Meus amigos, bom dia!
O Lilo e a Lina viviam maritalmente há pelo menos cinco anos; isto no calendário da humana criatura, pois, verdade seja dita, no calendário dos bichos, particularmente do bicho gato (o calendário deles), aquela união fazia um ano; um pouco mais que fosse! Os dois formavam um belo casal de felinos, sendo ela esgalga, longilínea, formosa, graciosa no andar e de um olhar atraente; ele, por sua vez, na beleza, se fosse homem, seria espadaúdo, de ombros largos e robusto como um pé de frondoso jatobá; isto sem dizer que, apesar disto, era faceiro no andar; mas, assim mesmo, destemido, desassombrado por natureza e ágil como todo gato. Aquele casal de gatos imitava gente, principalmente pelo sentimento que um nutria pelo outro; principalmente o dele, pois adivinhava os pensamentos da amada, não lhe negando um carinho que fosse. Viviam, assim, em perfeita harmonia, como todo casal bem casado. Ela muito séria, centrada, compenetrada, direita e boa dona de casa; isto se casa tivessem, pois cuidavam de suas entrevistas amorosas e conjunções carnais pela rua, embora que ele tivesse endereço e residência fixa, ao lado da Clínica de Olhos do Dr. João Conrado, quase vizinho do Banco do Brasil, onde ela aparecia de vez em quando, dando a entender que residia ali pela antiga Cabana da saudosa dona Elisa, onde agora se instalou a pizzaria O Rivelino. Ora, como eu dizia, viveram harmoniosamente por longos cinco anos uma grande paixão, isto até o dia em que por lá apareceu o Mimoso, aquele gato deste tamanho assim, malandro, deflorador, rabo de burro, cheio de salamaleques e aforismos amorosos e que, pelo tamanho, mais parecia um cachorro e, se homem fosse, calçaria por certo sapato 42, pois o pé era deste tamanho assim. Meus amigos, quando ele avistou a Lina, foi logo botando o cavalo em cima dela para conquistá-la; mas ela, direita que só vendo, por certo de boa família, resistia a cada investida amorosa do Casa Nova, negando sempre o corpo aos abraços e carinhos do sedutor; mas o bicho, a despeito das negaças da outra, não desistia e jogava duro, sendo que, na ausência, era escrevendo bilhetes apaixonados, afirmando juras de amor e, quando estava presente, eram aqueles sussurros ao pé do ouvido dela, dizendo as palavras mais sublimes, com suspiros poéticos de amor, afora coisas que não se pode dizer em público, senão sob pena de fazerem corar as pessoas. Ora, meus amigos, tentar resistir bem que ela tentou; mas que mulher poderia suportar indene tantos apelos sentimentais? Ainda mais que, por infelicidade, o Lilo caíra doente, passando mais de uma semana acamado, período que ensejou ao namorador redobrar os seus rogos e apelos amorosos. Nesse ínterim foram redobrados aqueles miados mais sentidos deste mundo, capazes de abalar qualquer estrutura sentimental; aqueles sussurros ao pé do ouvido, que davam arrepios de pele; ao que ela, mesmo tocada sentimentalmente, fugia para este e aquele lado; mas ele a seguia de perto, como o cão que tenta uma alma até a perdição. Certo que ela resistiu o quanto pôde; mas, apesar de sua idoneidade moral, uma hora fraquejou, pois não resistiu à tentação de tantos músculos e nervos e ao encanto daquele peito que se mostrava largo e acolhedor, que o bicho, além de bonito, tinha um porte de atleta, sendo o peito largo como de um halteroflilista, sendo seu corpo de um deus grego. Assim não deu outra e ela, vencida em todos os ditames da decência, disse num longo suspiro, poético, langoroso: “Pois se sirva!”. Pronto, a desgraça estava feita e o pobre do Lilo, quando se recuperou da enfermidade que o acamara, procurou pela mulher; mas mulher o que era dela? Para piorar a situação, parece que ela se perdeu na devassidão e, perdida, se deu a gatos e cachorros, o que aqui é uma força de expressão, pois só se deu mesmo aos gatos, sendo que andava rua acima, rua abaixo sempre acompanha de cinco ou seis deles, os de piores índoles. Dizem as más línguas, isto a boca miúda, que o conquistador era um cafetão e a vendeu a não sei quantos pretendentes, pois, diferente do Lilo, e por ser o que era, o bicho não tinha sentimentos, senão carnais e, assim, desgraçou a vida da incauta Lina. Meus amigos, quando o Lilo viu a senhora dele naquela perdição, fez o que faria qualquer marido apaixonado: tentou resgatar sua companheira, no que prontamente foi impedido pelo conquistador, este que, brigão de rua, ainda deu-lhe uns bons bofetes pelo mole da cara, botando o pobre do marido para correr, ficando ele, além de desmoralizado, ainda todo lanhado; a cara tal qual um facho. Não restou ao corneado Lilo senão ficar chorando pelos cantos da casa, aos miados mais sentidos deste mundo, estes que davam piedade. Assim ele ficou durante bons três dias, o tempo em que o gostosão enfim enjoou da bandida, digo da Lina. Dando-lhe em vez de carinho, uns bons tabefes na cara sem-vergonha dela ao que a traiçoeira, enfim se lembrou que tinha um marido e voltou para o aconchego dos braços dele; mas era tarde, pois o Lilo já havia se curado da dor de cotovelo e mandou que ela fosse atrás do bonitão... Mas, aqui para nós, não espalha, acho que o Lilo ainda vai aceitá-la de volta, ficando, assim, na condição de corno, pois a bicha, antes séria, anda agora num remelexo que só falta se desconjuntar toda; isto para encegueirar de novo o marido corneado; o que não duvido, pois deve ter lá seu borogodó! Te cuida, Lilo!