Por Raimundo Bento Sotero
Meus amigos, bom dia!
Quando a dona Clementina adoeceu para morrer, o que, graças a Deus não aconteceu; pelo menos não naquele tempo, vindo a óbito muitos anos depois; mas de velhice, curvada aos fardos dos anos; mas lúcida e ainda andando, embora a duras penas e com o arrimo de uma bengala! Mas como eu ia dizendo: quando ela se enrodilhou no leito de morte, feito um cão que tem sarnas, feridas e sinais, com uma dor ferina pelo vão das costas, esta que pinicava na cacunda e corria tudo por dentro, descendo aos pés, subindo às mãos, indo enfim bater aos peitos, arrancando uivos de dor e lamentosos gemidos, mormente pela noite morta, quando a dor recrudescia. Um dia, isto é, uma noite, quando faziam sentinela, pois supunham que ela não veria o sol nascer de novo, bastando para a morte o pio aziago da coruja Rasga-Mortalha, tesourando a noite. Era a bicha passar e tudo estaria consumado. Pois foi naquele ambiente de morte, já as velas guardadas por sobre uma cristaleira, só esperando o rasgo da coruja agoureira, que o seu Felisberto apareceu para fazer uma visita de despedida à sua comadre, esta que se finava naquele doenção de não ter mais fim. Chegando ao terreiro, onde havia grande parte da assistência rindo e contando causos, alheia ao sofrimento da outra; isto sem embargo de uma bicada ali, outra acolá, da amansa-corno destilada aos alambiques da Ibiapaba, na Passagem da Onça, lugar da minha amiga Socorro Cardeal, isto para espantar a cruviana. Ora, ele mal chegou e, sem nem perguntar pelo estado de saúde da que se finava, tratou de se acomodar num tamborete e foi logo mandando chamar o compadre quase viúvo para um dedo de prosa. Acudindo este ao convite do outro, sentou-se rente para ouvir o que o compadre tinha a dizer-lhe. Assim, apenas o homem tomou assento ao lado do visitante, este, ignorando o sentimento do marido e sem levar em conta o estado da comadre, foi logo dizendo: “Meu compadre, escute bem, mulher é como pau de porteira; apodrece um e a gente vai ao mato, corta outro e substitui aquele. A comadre vai morrer nesta madrugada, pois eu mesmo ouvi a coruja piando quando vinha para cá; portanto vá amanhã cedo falar com os pais da Otília em casamento; peça a mão dela. Se você estiver alcançado de alguma vergonha, eu mesmo falo a eles da sua intenção!”. Vale dizer que a Otila em questão era sobrinha e afilhada do que dava tal conselho, sendo uma morena arrumada de corpo; uns peitos deste tamanho assim, dando a impressão que andavam sempre vestidos por um sutiã bem menor do que o tamanho que os comportaria adequadamente, pois aquilo parecia querer saltar fora do vestido. Isto sem falar da bunda por acolá, a qual, quando ela andava, era só aquele remelexo, parecendo que iria se desconjuntar toda; ao que a canalha, quando ela passava, dizia: “rebola não; dá pra mim”. O compadre quase viúvo, tomado de surpresa, ficou lívido, sem saber o que responder; mas nem precisava dar alguma resposta, pois o outro, em cima da bucha, completou: “Não precisa se preocupar, pois encarrego a Sabina, esta era a mulher dele, para ir ter com o Padre Inácio, a correr os banhos, pois ela mesma tem ainda o vestido de casamento da Ambrosina - esta era filha dele, casada de nova -, que está bem dobradinho, só esperando pelo casório; está, do jeito que veio da costura!”. A este palavreado, o que coincidiu com um grito lancinante da finada, digo da doente, o marido saiu a chouto, tomando o rumo da camarinha, por longo e mal iluminado corredor, onde algumas mulheres tratavam de pôr uma vela na mão da que morria.
Meus amigos, ocorre que a doente, a despeito da coruja, esta que alugou um pé de pau defronte a casa da moribunda para piar seus mais agourentos pios, a doente, depois do lancinante ai, tratou de experimentar uma melhora e de tal forma foi que pela manhã, olhando-se bem, já se via nela algum rosado pelas maçãs do rosto antes clorótico pela doença. Uns dez dias depois estava de pé a que ia morrer; plenamente restabelecida e capaz de outra, como se diz na roça. Ocorre que, pois o que não falta em “riba” do chão é gente fuxiqueira, uma sujeita foi contar, logicamente com desnecessários acréscimos a conversa do outro com o marido dela sobre a Otilia. A dona Clementina queimou ruim e ficou uma fera e, assim, jurando vingança, foi ao mato a cortar não um pau de porteira; mas um cacete de jucá, este que foi sapecado ao fogo para ficar mais robusto. Finda a faxina, escondeu-o por trás da porta da sua alcova, esperando oportunidade de uso. Ora, o compadre Felisberto, o do conselho, já na outra semana apareceu e logo pelas primeiras barras do dia, pois vinha para uma empreita de capina e, assim, mal o infeliz riscou à porta e que foi pedindo costumeiramente: “Cadê ma tira de queijo com café?” Era assim que ele pedia seu desjejum quando vinha trabalhar para o compadre. Meus amigos, mal ele fechou a boca, a Dona Clementina desceu o cacete de jucá pelo mole da cara dele chega fez bufo e o sangue espirrou bem acolá, melando o mais da parede e alguma coisa da camisa dele. Toma tua “ma tira de pau”, seu filho da puta mais corno. O aconselhador só aguentou a primeira, tonteando, feito bicho que come manacá, ameaçando ir ao barro; mas se segurou no que fosse e saiu cai aqui; cai acolá, tomando o rumo das ventas, desaparecendo para nunca mais!
A Otília ficou esperando por outro viúvo!
E aí, amigo leitor, não vai querer dar uma de Felisberto e aconselhar alguém não?