RELÓGIO DE PONTO
Por Inácio Santos
Durante um determinado período da minha vida, aquele ponto foi mais que uma referência. Era, pois, ali, naquele referido ponto, onde todo dia iniciava-se a jornada. O relógio despertador, previamente programado para as cinco e meia da manhã, era apenas precaução, visto que o relógio biológico, salvo raríssima exceção, quase nunca falhava.
Eram os trinta minutos que eu tinha para escovar os dentes, tomar banho, vestir a roupa e caminhar ainda uns trezentos metros até chegar ao ponto de ônibus. Morando num bairro de periferia, o trajeto para chegar ao destino — a empresa na qual trabalhava — era, em média, cinquenta minutos. Precisava estar pontualmente às sete da manhã na referida. Voltando ao ponto de partida (ponto do ônibus), ali já se aglomeravam várias pessoas, todas com o mesmo objetivo. Raramente dava para ir no primeiro; por conta da superlotação, o motorista nem mesmo parava. Por vezes, após algumas tentativas, tinha que arriscar, indo mesmo quase dependurado, com o corpo parcialmente fora do veículo. No decorrer do trajeto, é que conseguia adentrar totalmente no coletivo. Só quem, rotineiramente, precisou fazer uso desse expediente tem noção do sufoco. Literalmente, um rolo compressor. Pessoas espremidas, esmagadas, compactadas, que se amoldavam de acordo com os arranques e frenagens. O entediante para-para, sobe e desce.
Afora imprevistos: pneu furado, pane mecânica… Tinha que descer, aguardar outro ônibus da mesma empresa, monitorando o tempo minuto a minuto para não chegar atrasado.
A minha parada era no ponto final; ainda tinha que andar dois quarteirões. Quase sempre no limite, logo ao chegar, a primeira coisa era pegar o cartão funcional, no qual continham as informações pessoais, tipo: nome, RG, matrícula da empresa, função. O referido cartão ficava sempre num quadro fixado na parede ao lado do Relógio de Ponto. Este artefato, obrigatório nas empresas da época em questão, era um dispositivo retangular contendo, na parte superior, um relógio analógico. Logo abaixo, havia uma abertura horizontal onde o cartão era inserido. Ato contínuo, uma alavanca lateral acionada produzia um estalido metálico. Ao ser retirado do dispositivo, ficava registrado no cartão: dia, semana, mês, ano, hora, minutos, segundos.
Tinha-se que estar necessariamente dentro do horário, observando quinze minutos de tolerância, ou seja, até as sete e quinze. A impressão saía grafada com a cor azul; do contrário, sairia vermelha. A somatória do tempo registrado no vermelho, no final do mês, além de ser descontada no contracheque, denotava relapsividade no conceito do funcionário perante a empresa. Bater cartão no vermelho com acentuada frequência, sem justificativa plausível, também poderia ser motivo de advertência. Se a prática persistisse, daria suspensão; em última instância, até mesmo demissão.
O procedimento — bater o cartão — era efetuado quatro vezes durante o dia: na hora da entrada, às sete horas; intervalo para o almoço, às doze horas; retorno, às quatorze horas; e, no final do expediente, às dezoito horas. Excepcionalmente, quando houvesse hora extra, seguia-se a mesma regra. Este cartão era o referencial para que o departamento de Recursos Humanos analisasse o perfil de cada funcionário no tocante ao comparecimento e pontualidade.
Certamente, quem vivenciou esta época utilizou o Relógio de Ponto, visto que era item obrigatório nas empresas.
Neste relato de experiência pessoal, atenho-me ao início dos anos oitenta. Hoje, não sei qual metodologia é usada para tal prática. Com certeza, algo condizente com a avançada tecnologia da informação digital.
Diz-se que: quem conta um conto, aumenta um ponto. No meu caso, por conta do saudoso Relógio de Ponto, sem aumentar ponto, contei um conto.