Por Raimundo Bento Sotero
O Braga era meu amigo, e eu nem era para contar tal história, pois ele já se mudou para as estrelas, e não se deve falar de quem é vivo, por decência; imaginem de quem se foi. Mas, mesmo assim, vou relatar a história que ele um dia, cheio de “gaiatagem”, como dizia o saudoso Dezô, me contou.
O negócio é o seguinte: ele tinha um carro que não era lá muito novo, se é que se pode chamar aquilo de carro, mais parecendo um loréu, e que sempre estava no prego de alguma coisa. Se não era buzina, era bateria, motor de arranco, alternador, platinado, carburador... enfim, o diabo a quatro! Só se via era o carro do meu amigo, que era um Corcel, ou os restos dele, aos empurrões, engulhando, pegando no tranco, soltando nuvens de fumaça, escurecendo o tempo. Era tão afeito a panes que ele já encostava o bicho de preferência numa ladeira, que dali era só debrear, passar uma segunda e sentir o ronco do motor, poupando assim um tanto de gente de tão fatigante faina.
Falar em passar uma segunda, lembrei-me de uma piada ordinária que diz mais ou menos assim:
— Qual o seu problema? — pergunta o urologista ao paciente.
— É a primeira vez que não engata a segunda ou a segunda vez que não engata a primeira?
Mas deixemos este negócio de piada de lado, mesmo porque sei que meus leitores são pessoas sérias e decentes. Vamos, pois, ao que se dizia sobre o Braga.
Pois bem, com este negócio de segunda e de primeira, já estava me esquecendo de falar que ele era namorador, tendo sempre uma fieira assim de quengas, principalmente daquelas do Terra-e-Mar, as mais famosas. Pois era notório aquele cabaré dos tempos idos, trazendo raparigas do Piauí, mormente as importadas ao cabaré da Maria Cabelão, em Parnaíba, para servirem aos marinheiros dos navios e aos que desembarcavam dos trens em Camocim! Assim, como se disse, dado a mulheres, estava sempre às voltas com elas, ora tramando livrar-se de uma, por enfaro, ora tentando arranjar uma nova sirigaita.
Pois bem, a história que ele me contou diz respeito justamente a isto que se disse por último, quando ele tentava desesperadamente se arranjar com uma sujeita novata do cabaré, oriunda lá das bandas de Luís Correia, no Piauí, pois diziam serem elas as melhores. Ora, ele, encegueirado pela bicha, feito bicho criado enjeitado, não largava o pé da bonitona, enquanto ela, enrabichada por outro, um mestre de barco lagosteiro da Delmar, pouco ou nada ligava para as mesuras do nosso Casanova tupiniquim, dando-lhe fora em cima de fora. Dizem, porém, que “água mole em pedra dura tanto bate até que fura”.
Certo dia, depois de tantas negativas — que o bicho era descarado e mal acabava de levar um não e já tinha outra léria pronta para dizer, isso sem qualquer constrangimento, que tinha a cara lavada —, de certa feita, quando ele disse lá seu galanteio, a bicha pegou em cima d’água, como um peixe faminto se fisga no anzol, feito mariquita debaixo do leste, chega a linha assobia.
Ocorre que, naquela hora, ele se lembrou de que o diabo do carro estava ruim do motor de arranco, só partindo aos empurrões de não sei quantos homens. Para piorar a situação, o bicho estava também com o carburador um tanto quanto prejudicado pela agulha, golfando, de tal modo que era necessária uma aceleração de vez em quando para não morrer.
Ante esses dois graves problemas, entre outros tantos, meu amigo suou frio, gelando dos pés à cabeça. Mas, como quer que fosse, não poderia perder aquela ocasião, qualquer que se mostrasse o empecilho, pois “cavalo selado só passa uma vez na porta” — pelo menos é o que dizem. Então, o que fez foi embarcar a bonitona em seu Corcel e acelerar, tomando o rumo do Posto Tijuca, para postar-se perto do trevo da entrada da cidade, onde havia um campo de futebol bem por trás do posto, e que os casais, por falta de motel — isto que só se viu por aqui muitos anos depois —, usavam como tal. De noite, aquilo era bem coalhadinho de carros, estes que disputavam os espaços com as reses que dormiam por ali.
Pois sim, foi com o carro todo atrapalhado que ele, o namorador, adentrou o campo, estacionando ao lado de um casal de gado, com a finalidade de coisar a bela parceira. Ocorre que o carro, o qual ele deixara funcionando, por causa dos problemas, como se disse, mal ele começava sua peleja com a parceira, o bicho dava de tossir e de se engasgar, ameaçando morrer, ao que ele, mais que depressa, corria e dava umas aceleradas, voltando em seguida ao que fazia. E assim foi o aperreio durante todo o tempo daquela conjunção carnal.
Meus amigos leitores, enquanto ele me contava tal história, eu morria de rir dele e perguntava como conseguira tal proeza, pois, convenhamos, não parece ser coisa fácil tal tarefa, por desconcentração! Eu não seria capaz!
E você, amigo leitor, se sairia bem em tal empreitada? Responda, mas responda com sinceridade. Olhe lá, não minta!