Saga - Revista Camocim

sábado, 4 de janeiro de 2025

Saga



Por Inácio Santos.

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Camocim - A pérola do Atlântico - onde o rio Coreaú deságua no oceano, formando um belíssimo estuário com vastos manguezais, dunas e falésias.


Nos primórdios, estas plagas eram habitadas pelos valorosos e intrépidos Tremembés, nação indígena predominante, os verdadeiros donos da terra.


Tendo a pesca como atividade primordial de subsistência, os índios eram exímios construtores de canoas, com as quais lançavam-se ao mar em busca do pescado.


Prática herdada até os dias atuais, visto que a pesca continua sendo uma importante atividade de vital relevância para a economia local.


Neste contexto, porém, duas modalidades existem: a pesca industrializada, ou seja, barcos motorizados que têm autonomia para vários dias no mar, dependendo do tamanho da embarcação, até mesmo meses; e a pesca artesanal, realizada em canoas, que se subdivide em: canoa de diária e canoa de dormida.


As canoas que pescam de diária comumente saem na madrugada e retornam no mesmo dia. As canoas de dormida podem ficar no mar até cinco dias. Geralmente, são canoas consideradas grandes, chegando a medir até nove metros.


Enquanto na pesca diária os pescadores levam apenas o básico — material de pesca (linhas, anzóis, iscas) e água potável, já que retornam no mesmo dia —, as canoas de dormida necessitam de uma variada e imprescindível lista de apetrechos estritamente importantes e vitais para o bom êxito da atividade, bem como para a sobrevivência dos pescadores.


Uma canoa grande — nove metros —, para ir ao mar numa pesca de dormida — cinco dias —, obrigatoriamente precisa estar equipada com:


Vários metros de cabo (nylon) para o fundeamento da canoa, pois a profundidade pode chegar até mesmo a quarenta braças.


Garatéia — tipo de âncora feita de vergalhões de ferro (antiga fateixa) — que tem por finalidade fixar a canoa para que a mesma não fique à deriva durante a pesca, evitando ser arrastada pela correnteza.


Três tambores de dez litros contendo água potável, para beber e cozinhar.


Gereré — no mínimo três —, rede cônica atrelada a um cabo de madeira, cuja função é coletar iscas vivas.


Um tambor com gasolina para abastecimento do motor de rabeta (popa).


Bateria para alimentar a lâmpada, item obrigatório e vital para a segurança, pois, no período noturno, a lâmpada, além de proporcionar iluminação à embarcação, serve também para detectar sua localização, impedindo que embarcações maiores colidam com a canoa, o que fatalmente poderia ceifar a vida dos pescadores.


Coletes salva-vidas e sinalizadores, itens obrigatórios de segurança exigidos pela Capitania dos Portos, órgão da Marinha do Brasil.


Um saco de carvão e fogareiro utilizando um lastro com areia na base do mesmo, pois, além de proporcionar peso para fixá-lo, serve como isolante para que as brasas não tenham contato com as tábuas do fundo da canoa, o que poderia causar sérios danos, colocando a tripulação em risco.


Mantimentos: farinha, arroz, carne seca e rapadura. O peixe é da própria lavra.


Material de pesca: anzóis de vários tipos, cada um para determinada espécie de peixe. O mesmo se aplica às linhas, também de várias espessuras.


Caixa térmica com capacidade para até trinta barras de gelo, que serve para acondicionar e preservar a produção.


Isca: uma caixa de sardinhas do sul. Outras complementares são apanhadas no mar utilizando o gereré (iscas vivas).


A canoa é uma embarcação primitiva, totalmente artesanal, feita de madeira — comumente utiliza-se o louro —, composta de:


Mastro: tem por objetivo a sustentabilidade da vela. Por muito tempo foi confeccionado com madeira retirada do mangue-vermelho. No entanto, com a proibição pelo IBAMA, pois a espécie corre risco de extinção, agora utiliza-se a sipaúba.


Vela: feita de pano (lona). Quando enfunada ao vento, propulsiona a canoa.


Tranca: espécie de vara que atravessa a vela de forma horizontal para mantê-la aberta, proporcionando melhor desempenho. Utiliza-se o bambu por sua leveza e flexibilidade.


Leme: artefato de madeira atrelado à popa, imerso na água, que tem por função a dirigibilidade da embarcação.


Varão: cabo de madeira que sai do leme, dando condição para controlá-lo.


Numa canoa de dormida, a tripulação consiste em quatro homens: o mestre, que é o responsável direto pela embarcação, e outros três pescadores, incluindo o próprio mestre.


Por determinação da Marinha do Brasil, através da Capitania dos Portos, órgão controlador e fiscalizador, cada canoa obrigatoriamente deve exibir pintado em destaque um nome, que serve para sua identificação, além de um número de série.


Tradicionalmente, os proprietários de canoas denominam as mesmas com nomes em homenagem a esposas, filhos, lugares, santos, etc.


Créditos: informações obtidas com o baldeador de canoas Élvis Araújo — vulgo Camocim —, responsável pelas canoas de dormida:


  • Marikita
  • Hollywood
  • Anac
  • Andreza



Função do baldeador:


Limpar a canoa, amarrá-la enquanto estiver na praia para que não se desprenda e não colida com outras, abastecê-la com gelo e demais apetrechos necessários, deixando-a pronta para saída, bem como estar sempre de prontidão para auxiliar por ocasião do desembarque.


Ancestralidade. Hereditariedade. Intrepidez. Coragem. Bravura.


São determinantes que fazem destes homens simples e destemidos.


Uma verdadeira Saga de Heróis.


Inácio Santos