Por Inácio Santos
Ao som característico de um dobrado, uma voz empostada se fazia ouvir. Em Camocim são pontualmente 19:h - Boa noite! Instala-se no ar a partir de agora, o serviço de som Sonoros Pinto Martins de Camocim, levando ao distinto público, uma programação musical variada, que ora começa, e irá até às 22:h. Apresentação deste amigo que vos fala, Gerardo Brito, ou simplesmente GB, a todos uma boa noite!
Era desta forma, que impreterivelmente todos os dias, o serviço de som começava sua programação, de segunda a domingo, na praça Pinto Martins.
Precedendo as discotecas, casas de shows, emissoras de rádio. Era o serviço de som local – Sonoros Pinto Martins - que fazia a animação. Logo que, segundo seu locutor - “instalava-se no ar” - as pessoas começavam a chegar, advindas dos mais diversos lugares (bairros da cidade), na maioria jovens. Vinham passear, conversar, paquerar, etc...
Quem tinha namorado (a) vinha, e os que ainda não tinham, também vinham em busca de arranjar. A Pracinha era um ponto de encontro, aliás, o único da cidade.
Os casais geralmente ocupavam os bancos, enquanto que os livres, por assim dizer, ficavam a circular feito peru. Nessas verdadeiras maratonas, flertavam ou se divertiam de diversas formas.
Agrupamentos de rapazes e moças misturavam-se na pracinha. Em cada canto da mesma, um pipoqueiro fazia ao vivo, pipocas quentinhas. O cheiro ia longe provocando a gula, principalmente das moçoilas, o que invariavelmente sobrava para o infeliz pretendente, pois bastava que a mesma fizesse um inocente comentário: - Ô cheiro de pipoca! O cavalheiro adolescente, logo procurava no bolso os minguados cobres, de pronto, atendia ao frugal apelo da donzela pretendida, oferecendo-lhe um saco da iguaria.
Comumente nunca ficava no singular, visto que, a gentil dama se fazia sempre acompanhar de algumas amigas, e mandava o cavalheirismo que as mesmas fossem ofertadas. Aceitavam, e entre risos, respondiam: - Ah! Não precisava! O mesmo procedimento era concernente aos vendedores de balas, chocolates, e demais guloseimas. Uma pequena multidão de vendedores misturava-se no meio do povaréu, usando a famosa técnica de venda, sempre oferecendo as damas, que olhavam, pegavam, e enchiam a boca de saliva, fazendo trejeitos insinuadores, suspiravam dizendo: - Ah! Que delícia! Ao mesmo tempo retrucavam ao vendedor: - Não quero moço, pois não tenho dinheiro, se tivesse... não dava tempo nem mesmo para terminar a frase, o infeliz pretendente, ou mesmo, o afortunado namorado, imediatamente dizia: - Não seja por isso! Olhando para o ladino vendedor, autorizava: - Deixe a moça escolher o que ela quiser. Vale enfatizar que quase sempre eram elas, pois as amigas também faziam parte.
Assim as horas passavam, a Pracinha regurgitava, enquanto que, nas duas bocas de “radiadoras,” a programação dos Sonoros Pinto Martins prosseguia. Cada música que rodava, via de regra, era oferecimento de um apaixonado à sua musa. Para isto era só ir ao estúdio, que ficava próximo, pagar uma pequena quantia, anotar em um papel o nome da música, da pretendente, para logo ser atendido – Atenção! (dizia GB) Ouviremos agora com Elino Julião, a música “Cofrinho de Amor”. Esta canção, José oferece para a sua amada Catarina, que mora no bairro do Cruzeiro, como prova de grande amor e carinho. Disco na agulha e o pau troava. Por outras, cavalheiro ou dama não podiam se identificar - Esta música é que um alguém, oferece para outro alguém, como prova de uma grande amizade. Ainda havia outra forma de mensagem. - Ouviremos com Valdick Soriano, a canção “Amigo”. Esta linda página musical, é que alguém (ou fulano), oferece para uma linda garota que está trajando blusa azul e saia branca, como prova de amor e carinho. E ainda, esta gravação vai para a senhorita Maria das Graças, com sincero e devotado amor, o mesmo não diz o nome, para não dar confusão.
Entre os intervalos das mensagens, os Sonoros Pinto Martins, também faziam anúncios de lojas, convite festas, bingos, notas de falecimento, etc... De vez em quando, eram registradas presenças de pessoas ilustres, que visitavam o estúdio, alguns participavam no ar. Comumente uma dessas figuras, talvez a mais típica, era do poeta, Magalhães Nogueira Neto. Magalhães era um crioulo, carreteiro profissional, fazia carretos no mercado público. A noite, vestia-se impecavelmente, poeta nato que era, pois não sabia ler nem escrever, tinha participação garantida nos Sonoros. Quando chegava ao estúdio, era assim saudado por GB: - Encontra-se conosco, visitando nosso estúdio, o poeta Magalhães Nogueira Neto, para nós, motivo de grata satisfação. Agora o poeta irá saudar nossos ouvintes, com uma de suas poesias. Magalhães, que ia para isso, não se fazia de rogado, temperava a garganta, sempre apaixonado recitava:
Menina dos óios verde
Do cabelo cachiado
Desde quando vi vosmicê
Quero ser seu namorado.
Se vosmicê gostar de mim,
Lhe dô meu coração,
Se vosmicê não me quiser,
Eu vou morrer de paixão.
Então me responda logo
Pois não aguento esperar
Se vosmicê disser que sim
Prometo que vô lhe amar
Se vosmicê não respostar
Vai ferir meu coração
O coitado irá murchar
Vai morrer na solidão
GB o interpelava, pois o tempo no ar era exíguo: - Aí está amigos ouvintes, mais uma das belas páginas de versos do nosso amigo, Magalhães Nogueira Neto. Obrigado poeta! Volte sempre.
Magalhães dizia algumas palavras de agradecimento, aproveitava para oferecer uma música a uma pretendente. Era solteirão, sempre apaixonado. Na grande maioria, amores platônicos. O poeta saía do estúdio todo empertigado, recebendo os cumprimentos. - Valeu poeta! – Gostei Magalhães! Educadamente agradecia a todos com um sorriso aberto, ou um aperto de mão. Entrava na “Merendinha” ( bar do Santinho Lúcio), localizada na esquina da praça, tomava uma talagada de conhaque São João da Barra (especial), durante o dia-a-dia, era a velha e boa serrana. Saía do bar, ficava na praça distribuindo sorrisos e balas às garotas.
O tempo passava com uma velocidade incrível, quando o relógio chegava as 22:h. Ao som característico do mesmo dobrado, logo em seguida a voz inconfundível de GB - São na cidade, precisamente 22:h. Senhoras e senhores! - Nesse instante, despede-se do ar, os Sonoros Pinto Martins de Camocim, agradecendo a todos a atenção dispensada, prometendo voltar amanhã pontualmente as 19:h, se Deus assim nos permitir. Muito obrigado! Tenham uma boa noite! Era a deixa para todos, que iam saindo para suas casas, com a mesma velocidade com que enchiam a pracinha, também a esvaziavam. Hoje quando olho para minha querida pracinha, recordo quão bela e movimentada era, tenho saudade do velho Sonoros, do saudoso amigo GB ( in memoriam) Áureos tempos! Doces recordações!