Sítio Caldeirão, palco de um dos maiores massacres do Brasil, deverá ganhar Memorial no Crato - Revista Camocim

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terça-feira, 11 de maio de 2021

Sítio Caldeirão, palco de um dos maiores massacres do Brasil, deverá ganhar Memorial no Crato



Há 84 anos, no dia 11 de maio de 1937, as Forças Armadas e a Polícia Militar do Ceará, sob ordem do Governo Federal, invadiram a comunidade do Caldeirão da Santa Cruz, em Crato. Parte dos seus moradores foram mortos e os sobreviventes expulsos de suas terras. Seu líder, o beato José Lourenço, e seus seguidores fugiram. Este sítio, localizado a 33 quilômetros da sede do município, que foi palco de um dos mais importantes episódios da história cearense, deverá ganhar um memorial, como planeja a Secretaria de Cultura do Município.  


“É uma dívida que os gestores do Cariri, especialmente do Crato, têm. Precisamos criar uma referência, um espaço de conservação e difusão do que foi o Caldeirão. Não se pode deixar que essa memória se perca”, justifica o secretário de Cultura de Crato, Amadeu de Freitas.  


O projeto da pasta é que, dentro do espaço do Caldeirão, seja feita um circuito, conhecendo os patrimônios que ainda permanecem de pé, como a Igreja de Santo Inácio de Loyola e as ruínas da casa do beato José Lourenço. 


Quem tem interesse na história do Caldeirão, tem interesse de ver o local. A relação com o ambiente, com aquele espaço. Tem poucas ruínas, mas ir ao local é outra sensação”

AMADEU DE FREITAS

Secretário de Cultura de Crato


INVESTIMENTOS


Para isso, a Secretaria trabalha para conseguir recursos. “Isso depende de investimento, mas é possível. Além disso, precisamos melhorar as condições de acesso até lá”


Lá, vizinho à Igreja, há um prédio construído pela prefeitura na última década que serve de apoio durante a Romaria, em setembro, e que poderá ser aproveitado. “Talvez seja adaptado. Vamos tentar uma parceria com a Secretaria de Cultura do Estado e a Urca [Universidade Regional do Cariri]. A academia deve ter uma contribuição muito grande, porque um projeto desse requer uma pesquisa”, acredita o gestor.  


Esse levantamento deve ter início ainda este ano, enquanto o memorial depende de recursos. Além disso, Amadeu apresentou a proposta, no último mês de abril, à Secretaria de Cultura do Estado. “A pandemia trouxe muitas dificuldades e temos priorizado, no momento, garantir condições para nossos artistas populares e fazedores de cultura neste momento complicado”, explica. 


O MASSACRE DO CALDEIRÃO


A história do Caldeirão da Santa Cruz do Deserto começou no final do século XIX, quando o agricultor José Lourenço Gomes da Silva, peregrino paraibano, migrou até Juazeiro do Norte e se tornou um beato de confiança do Padre Cícero. O sacerdote arrendou uma terra do Sítio Baixa Dantas, em Crato, onde José e os flagelados que chegassem ao Cariri pudessem prosperar na agricultura comunitária e na fé. E assim aconteceu até 1926, quando as terras foram vendidas.   


Depois disso, o Padre Cícero cedeu uma de suas propriedades na fazenda conhecida como “Caldeirão dos Jesuítas”, local que teria sido esconderijo dos jesuítas no século XVIII, onde recomeçam o trabalho comunitário com base na religião. Liderados pelo beato José Lourenço, lá, a produção era dividida igualmente e o excedente era vendido para compra de outros produtos, como remédios e querosene. 


A seca de 1932 é lembrada, tanto na literatura como na oralidade, como uma das mais perversas que castigou o Nordeste na primeira metade do século XX. Foi esse fenômeno de escassez de água e alimento impulsionou o crescimento do Caldeirão da Santa Cruz do Deserto, que chegou a receber 1.700 pessoas.    


Temendo que a comunidade se tornasse um movimento messiânico, o Governo Federal, ordenou, em setembro de 1936, a primeira invasão à comunidade, que foi dispersada por forças policiais. Em 11 de maio de 1937, dessa vez foram as Forças Armadas, que bombardearam e destruíram a comunidade. Nove anos depois do episódio, José Lourenço morreria em Exu, vítima da peste bubônica.  


“Foi uma experiência importante te como enfrentar as dificuldades da seca, do Semiárido e de forma coletiva, partilhada”, exalta o secretário de Cultura do Crato, Amadeu de Freitas. “O Caldeirão foi massacrado por pura ignorância, mas é uma referência de como a sociedade pode ser organizar de forma diferente”, completa. 

Em setembro, a comunidade recebe milhares de visitantes na chamada Romaria da Santa Cruz do Deserto. Sua 20ª e última edição aberta ao público, em 2019, reuniu cerca de 3 mil pessoas. O evento foi criado por entidades eclesiais de base, pensando em resgatar a história de uma comunidade “de certa forma abafada”, confessou o padre Vileci Vidal, um dos idealizadores. 


O sacerdote acredita que é necessário, além do memorial, a criação de projetos que sejam convenientes com as comunidades “e sejam uma expressão daquilo que foi o Caldeirão”, adverte Vileci. Ele enumera que já houve outras iniciativas da administração pública, mas que não tiveram continuidade com o passar das gestões. “Houve até uma tentativa da Universidade Federal do Cariri administrar o espaço para ser uma área de pesquisa e fomento de experiências agroecológicas e isso tem tido dificuldade”, pontua. 


Mesmo assim, elogia a intenção de criar o memorial para valorização da experiência que foi o Caldeirão da Santa Cruz. “Essa comunidade tem uma força de vínculo pela fé, que vai determinando o histórico, no sentido produção de grande escala e organização que se dá na convivência em comunidade. Essa história não pode morrer”, finaliza Vileci.  


CRIAÇÃO DE UNIDADE DE CONSERVAÇÃO ESTAGNOU 


Há alguns anos, o poder público e pesquisadores discutem transformar o Caldeirão da Santa Cruz do Deserto, em uma Unidade de Conservação (UC) e, futuramente, em um geossítio que integre o Geopark Araripe. Seu tombamento nacional também já foi pensado. A primeira iniciativa aconteceu em outubro de 2017, com a realização do seminário “Caldeirão da Santa Cruz do Deserto: uma construção coletiva”, que contou com a presença do secretário de Meio Ambiente do Ceará, Artur Bruno.   


O primeiro passo foi a conclusão do georreferenciamento, realizado pela Secretaria de Meio Ambiente e Desenvolvimento Territorial de Crato (SEMADT), concluído em 2018. O atual titular da pasta, Stephenson Ramalho, que assumiu a gestão no início deste ano, conta que está retomando a discussão junto com o conselho e a criação da UC está no planejamento.  


Uma das coisas que facilita este trabalho é que a área, composta por cerca de 70 hectares, pertence à Prefeitura de Crato. O principal empecilho, hoje, é o tipo de unidade que será criada. A tendência é que o Caldeirão se torne um Monumento Natural de Interesse Cultural e Ambiental, classificação destinada para a preservação de lugares singulares, raros e de grande beleza cênica, permitindo diversas atividades de visitação.


“Com a pandemia e a demanda reprimida, ainda não conseguimos avançar. Uma das nossas preocupações não é só criar, mas manter. É que sejam sustentáveis financeiramente. Só criar é arriscado e pode causar conflitos locais. Precisamos retomar o diálogo com a população e trazer algo bom para quem se mantém lá”, acredita Ramalho.  


Já a criação do novo geossítio, que seria dentro de uma parcela destes 70 hectares, também estagnou. De avanço, teve a conclusão do inventário geológico, exigido pela Organização das Nações Unidas para Educação Ciência e Cultura (Unesco). “O levantamento inicial feito pela Prefeitura não atendeu as necessidades do projeto de criação. Falta fechar o perímetro e um trabalho de altimetria. Solicitamos que fosse complementado. O Município se mostrou empenhado”, detalha Nivaldo Soares, diretor-executivo do Geopark Araripe.  


A criação do geossítio só se dará após a criação da UC, que dá maiores garantia de conservação aquele espaço. A URCA tem apoiado o trabalho de diagnóstico e elaboração dos relatórios exigidos. “Quando veio a pandemia, a coisa parou total. Para a gente, é interessante a UC. Espero que haja uma retomada para estar com o projeto todo pronto. Faltam ainda esses detalhes do mapa”, acrescenta. 


Diário do Nordeste