Deputado usa vídeo adulterado e fora de contexto para afirmar que governador admite uso da cloroquina no Ceará - Revista Camocim


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terça-feira, 18 de maio de 2021

Deputado usa vídeo adulterado e fora de contexto para afirmar que governador admite uso da cloroquina no Ceará



É enganosa a postagem feita pelo deputado federal Capitão Wagner (Pros-CE), no dia 16 de maio de 2021, segundo a qual o governador do Ceará, Camilo Santana (PT), teria admitido o uso da cloroquina no tratamento da Covid-19 no Ceará. O vídeo, de 12 segundos, engana ao usar trechos recortados e descontextualizados de uma gravação do governador publicada no Instagram em 18 de maio de 2020.





No vídeo original, Camilo Santana menciona o protocolo para uso da medicação no Estado à época da publicação e reforça a inexistência de evidências científicas que justificassem a adoção da substância. No vídeo verificado aqui, trechos de frases são recortados e unidos para dar a entender que o governador garantiu o uso da cloroquina. O Governo do Ceará, em nota divulgada no dia 16 de maio, afirma que o vídeo é uma montagem, com falas usadas fora de contexto.


Primeiramente o Comprova buscou nos perfis oficiais no Instagram e Facebook do Governo do Ceará, da Secretaria de Saúde do Estado e do governador Camilo Santana, vídeos recentes nos quais o gestor aparecesse e houvesse alguma menção ao uso da cloroquina no tratamento da Covid-19 no Estado. Não foi registrado nada do tipo.


Em paralelo, foi feita uma pesquisa no Google sobre protocolo de uso do remédio no Ceará na pandemia. Os documentos oficiais encontrados foram publicados em 30 de maio de 2020, 17 de abril de 2020 e 23 de abril de 2020. Com isso, foi feita uma nova busca nos perfis mencionados, nas publicações dos meses em questão. Assim, o Comprova chegou ao vídeo original, publicado no dia 18 de maio de 2020, no Instagram de Camilo Santana.


Pelas informações do vídeo, constatamos que o material foi exibido durante uma live promovida por Santana, com duração de 12 minutos e 31 segundos, na data publicada. Ao ouvir a gravação foi possível identificar trechos utilizados no vídeo publicado pelo deputado.


Em seguida, o Comprova entrou em contato com o Governo do Ceará, via WhatsApp, ligação e por e-mail. A assessoria confirmou a veracidade do vídeo, mas acrescentou, por meio de nota oficial, que a versão editada – que circula nas redes sociais – está fora de contexto. A assessoria também enviou, por email, uma das notas técnicas emitidas pela Secretaria de Saúde do Ceará, no dia 30 de maio de 2020.


O Comprova também procurou o deputado Capitão Wagner Sousa. A assessoria de imprensa informou, por meio de nota no WhatsApp, que o post foi uma crítica “sobre a fala dúbia do Governo do Ceará sobre a utilização do medicamento em questão, independente se o vídeo é de 2020”. A equipe de comunicação do parlamentar informou ainda ter “responsabilidade com as informações postadas como também coerência sobre o que defendem”. Após o contato da equipe de verificação a legenda do post foi alterada duas vezes.


O Comprova fez esta verificação com base em informações científicas e dados oficiais sobre o novo coronavírus e a Covid-19 disponíveis no dia 17 de maio de 2021.


Verificação

Vídeo original x vídeo manipulado

O vídeo original do governador Camilo Santana é de um live feita no dia 18 de maio de 2020 e transmitida pelos perfis do gestor no Facebook e no Instagram. O vídeo real foi publicado no perfil oficial de Camilo Santana (@camilosantanaoficial) no Instagram na mesma data. A gravação original (clique aqui para ver) tem duração de 12 minutos e 31 segundos.


Na publicação, Camilo fala de algumas ações referentes ao combate à pandemia e, dentre elas, um decreto estadual que, à época, tratava das medidas de isolamento social no Ceará.


Na gravação original, aos 10min28, o governador menciona o uso da cloroquina. Ele diz: “Uma outra polêmica também que tem surgido, aliás com muita fake news, muita fake news nas redes sociais, é a questão do uso da cloroquina. Cloroquina é um medicamento que ainda não tem comprovação científica, comprovada no mundo inteiro”.


Camilo também afirma: “Quero dizer que o Estado não utiliza a cloroquina. A cloroquina está no protocolo do Estado do Ceará, agora, ela só é utilizada com a recomendação do médico. Só com a autorização do médico é que é utilizada a cloroquina para os seus pacientes. Então, deixar muito claro que todas as decisões que o Estado tem tomado são pautadas nas decisões técnicas e científicas. Não há política. Aliás, eu acho que a política tem que estar fora de qualquer contexto nesse momento de enfrentamento à pandemia”.


Já o vídeo publicado pelo deputado federal Capitão Wagner, no dia 16 de maio de 2021, em seu Instagram (@capitaowagnersousa), tem duração de 12 segundos, e nele é possível ouvir trechos recortados do vídeo original do governador.


Na publicação editada e descontextualizada, Camilo supostamente disse apenas: “A cloroquina está no protocolo do Estado do Ceará. Deixar muito claro que todas as decisões que o Estado tem tomado são pautadas nas decisões técnicas e científicas”. No vídeo manipulado é possível perceber um corte brusco de edição entre a finalização de uma frase do governador e o início da outra.


Na primeira legenda da postagem (clique aqui para ver), há a seguinte frase: “Vai depor na CPI da Pandemia no Senado também?”.


Após o contato feito pela equipe do Comprova, a legenda foi alterada, na tarde do dia 17 de maio de 2021, para: “Repostamos novamente este vídeo, para frisar que, em virtude do tema que voltou à tona, existe uma tentativa de criminalização do Ministério da Saúde por recomendar os uso da Cloroquina, sendo que, os próprios governadores incluíram no auge da pandemia o medicamento em seus protocolos. Camilo Santana governador do Ceará, Flávio Dino governador do Maranhão, João Doria, Governador de São Paulo, dentre outros. Vai depor na CPI da Pandemia no Senado também?”.


Horas depois, ainda no dia 17 de maio de 2021, uma nova legenda foi postada: “Esse vídeo é apenas uma crítica sobre a fala dúbia do Governo do Ceará sobre a utilização do medicamento em questão, independente se o vídeo é de 2020. O tema voltou à tona com as discussões da CPI da Pandemia no Senado. Existe uma tentativa de criminalização do Ministério da Saúde por recomendar o uso da Cloroquina, sendo que os próprios governadores incluíram no auge da pandemia o medicamento em seus protocolos. Camilo Santana, governador do Ceará, Flávio Dino, governador do Maranhão, João Doria, Governador de São Paulo, dentre outros. Temos responsabilidade com as informações postadas, como também coerência sobre o que defendemos”.


Protocolo de uso da cloroquina no Ceará


O Comprova entrou em contato nesta segunda-feira, 17, com a Secretaria da Saúde do Ceará, que informou, por meio de nota enviada por e-mail, que nunca existiu recomendação de prescrição rotineira ou de uso domiciliar de cloroquina no Estado.


No site oficial da Secretaria, há três notas técnicas publicadas em 30 de maio de 2020, 17 de abril de 2020 e 23 de abril de 2020 sobre o uso dos medicamentos hidroxicloroquina e cloroquina durante a pandemia no Ceará.


>> Nota técnica Sesa, 30 de maio de 2020:  Clique aqui para baixar o PDF.

>> Nota técnica Sesa, 17 de abril de 2020:  Clique aqui para baixar o PDF.

>> Nota técnica Sesa, 23 de abril de 2020:  Clique aqui para baixar o PDF.


Na do dia 30 de maio, a secretaria informa que “considerando as melhores evidências científicas disponíveis até a data da publicação desta nota, a Secretaria de Saúde do Estado do Ceará não recomenda a prescrição rotineira de antimaláricos para pacientes ambulatoriais e hospitalizados com diagnóstico suspeito ou confirmado de COVID19”.


Contudo, acrescenta a nota, “sendo o ato médico de responsabilidade maior deste profissional, não cabe ao Estado constranger a decisão médica quanto à referida prescrição. Os profissionais de saúde têm como prerrogativa, segundo o julgamento clínico, a perícia profissional e a atitude ética, para tomada de decisões que podem prevalecer as orientações e diretrizes gerais”.


Na nota do dia 17 de abril de 2021, o objetivo é orientar e informar os critérios de distribuição e fluxo de acesso à hidroxicloroquina (sulfato) e a cloroquina (difosfato) para o tratamento de pacientes internados em hospitais públicos privados com Covid-19. O documento informa que “o uso dessas drogas estará condicionado ao preenchimento do Termo de Consentimento Informado (TCI), que deverá ser aplicado pelo médico responsável, bem como o preenchimento do formulário sobre o uso e as reações adversas”.


A nota informa como será a logística para distribuição em hospitais de Fortaleza e do interior do Estado e ressalta “não existem evidências científicas disponíveis sobre a utilização de tais medicamentos de forma profilática e por isto recomendamos que estas não sejam utilizadas com essa finalidade”.


O documento do dia 23 de abril de 2020, voltado aos profissionais de saúde, trata, de forma técnica, sobre o uso das duas medicações como drogas experimentais para tratamento da Covid-19. A Secretaria reitera na nota questões tratadas nas anteriores, e reforça que “o uso seja pautado na segurança do paciente e na busca da observação dos princípios elementares da bioética de beneficência e não maleficência”.


A secretaria diz no texto que “compreendendo a legítima angústia de pacientes, familiares e profissionais, além do impulso de possibilitar oferecer a melhor oportunidade possível aos casos que evoluem de forma desfavorável, a Sesa/Ce tomou a iniciativa de fornecer abaixo algumas informações relevantes, que podem ser úteis para médicos e pacientes internados, na decisão conjunta de eventualmente fazer uso de Hidroxicloroquina (HCQ)/Cloroquina (CLQ) para o tratamento de COVID-19”.


E acrescenta que “tais orientações levaram em consideração que não há estudos robustos efetivos que demonstrem eficácia da HCQ/CLQ na redução de mortalidade ou melhora dos desfechos clínicos no paciente com COVID-19 e que a prescrição do seu uso deverá ser feita por decisão do médico com o paciente e com familiares”.


Conforme já publicado pelo Comprova, o apoio ao uso da cloroquina e da hidroxicloroquina nos casos de Covid-19 se disseminou mundialmente após a publicação, em março de 2020, de um estudo conduzido pelo francês Didier Raoult. O então presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, passou a apoiar a utilização e, logo depois, no Brasil, o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) encampou o mesmo discurso.


Em outubro de 2020, a Organização Mundial da Saúde (OMS) rejeitou de forma conclusiva o uso da cloroquina no combate ao coronavírus. Portanto, no atual cenário, diferentemente da situação de abril e maio de 2020 quando o vídeo original foi publicado e as notas técnicas divulgadas no Ceará, as evidências científicas já comprovam a ineficácia da cloroquina e da hidroxicloroquina no tratamento da Covid-19.



O POVO