Opinião: O que significa o ataque de facções criminosas à Igreja de Cruz, no Ceará - Revista Camocim

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quinta-feira, 10 de setembro de 2020

Opinião: O que significa o ataque de facções criminosas à Igreja de Cruz, no Ceará

Por Paulo Emanoel (foto), membro da Pastoral Carcerária, Ceará.

A fé católica e no Jesus ressuscitado nos fortalece diariamente contra as lutas terrenas. Isso não quer dizer, no entanto, que católicos não tenham seus momentos ruins. Para mim este foi o caso de ontem, quando cedo pela manhã recebi, pelo celular, fotos da invasão criminosa à Igreja Matriz de Cruz, cidade no litoral norte do Ceará, a 243 quilômetros de Fortaleza.

Bem próxima à paradisíaca praia de Jericoacoara, a igreja do município amanheceu pichada com frases ameaçadoras - e em tom “apocalíptico” - contra a fé daquela comunidade. Uma das mensagens, inclusive, ameaçava de morte o sacerdote local. O atentado estava assinado por uma facção criminosa, embora a real autoria ainda esteja sendo investigada. O prédio havia acabado de ser pintado para a Festa de São Francisco, padroeiro da paróquia.

De que maneira o ato interessa à Pastoral Carcerária do Ceará? A ação parece tratar-se de ato criminoso local, sem ligação (ao menos direta) com o universo prisional, tanto que se encontra sob investigação da Secretaria da Segurança Pública e Defesa Social do Estado do Ceará (SSPDS Ceará). Uma análise mais profunda, no entanto, mostra ligações indesejadas.

O Estado do Ceará encontra-se sob ameaça de facções criminosas que seguem o “modelo de negócios exitoso” criado pelo Primeiro Comando da Capital (PCC) em prisões paulistas, na década de 1990, exportado para todo Brasil. E como pudemos (infelizmente) constatar, o raio de ação dessas organizações ultrapassa em muito a esfera metropolitana de Fortaleza.

A organização criminosa, hoje uma das principais da América Latina, teria nascido após o Massacre do Carandiru, quando em 1992 uma invasão da Polícia Militar do Estado de São Paulo abriu fogo contra presidiários que estavam sob rebelião, levando à morte 111 pessoas. O modus operandi violento da PM paulista acabou por incentivar a organização dos detentos em busca de melhores condições de vida nos presídios, e essa “parceria” evoluiu naturalmente para “negócios” que já faturam cerca de R$ 800 milhões ao ano.

Apesar do modelo de violência institucional contra os presídios ter se mostrado um retumbante fracasso, como prova a ascensão do PCC e de outras facções criminosas, não houve mea culpa por parte da classe política, que seguiu insistindo no modelo de encarceramento em massa indiscriminado.

Segundo o Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias (Infopen) de 2019, o Brasil possui atualmente uma população prisional de 773.151 pessoas em todos os regimes, e cerca de um terço dessa população é constituída de presos provisórios. Ou seja, apesar de encarcerados, não foram ainda condenados. Em 2006 eram pouco mais de 400 mil pessoas.

Em 2019 o Ceará assistiu à chegada de Mauro Albuquerque à Secretaria da Administração Penitenciária do Estado do Ceará (SAP-CE), que com “linha dura” conseguiu "controlar" o sistema carcerário do Ceará. Por linha dura, entenda as centenas de denúncias de maus tratos que chegaram, desde então, aos ouvidos desta Pastoral Carcerária. Alguns foram registrados por peritos do Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura (MNPCT) e denunciados em relatório de abril de 2019. O secretário, no entanto, seguiu à frente da pasta, e não houve qualquer indício de reprimenda por parte do Governador do Estado.

Cerca de um ano e nove meses após a chegada de Albuquerque, integrantes de facções criminosas invadem uma igreja no interior do Estado e vandalizam um templo católico, mostrando que até mesmo pregar a palavra de Deus tornou-se atividade de risco no Ceará. O crime organizado comandado de dentro dos presídios, afinal, não está inteiramente controlado, secretário Mauro (por razões que estão além de sua gestão).

Quase 30 anos após o massacre do Carandiru, e do consequente surgimento do PCC, os governantes não entenderam ainda que zelar por um sistema prisional justo não é apenas uma questão de direitos humanos.

Informações da Pastoral Carceraria do Ceará.