CANDACES - Revista Camocim

segunda-feira, 22 de fevereiro de 2016

CANDACES

"Falar de Candace é preciso olhar pra trás para ir pra frente. Porque atrás de nós tem um espelho e é nele que está nossa cara verdadeira. Nosso espelho é um espelho de Rainhas. Rainhas-Mães, Rainhas Guerreiras. Candaces. Somos herdeiros dessas Rainhas, temos a fala de nossos ancestrais". (Trecho da peça Candaces - A Reconstrução do Fogo).

Candaces: dinastia de rainhas na África Oriental. Donas de um dos mais importantes impérios do continente africano, antes da era cristã. Mais do que “rainhas”, Candace torna-se um conceito: a força da mulher negra se faz presente em lutas e conquistas. Legado matriarcal vencedor do tempo e distâncias.

Ultrapassando a ideia de mito e provando ser história, pelo exemplo de grandes rainhas da antiguidade. A primeira ascendente Candace: Mekeda, mais conhecida como Rainha de Sabá. Seu Reino das mil fragrâncias é rota das culturas árabe e africana: Sabá era uma terra rica e mantinha uma sociedade matrilinear, o poder era passado aos descendentes pela via feminina. Ali vivia a exuberante Rainha Negra. Atraída por fama, riqueza e sabedoria do rei Salomão (rei dos hebreus), Mekeda vai à Jerusalém com uma comitiva de camelos, levando infinidade de aromas, ouro e pedras preciosas. Desse encontro nasce a reverência à mulher que cativou com beleza, inteligência e diplomacia um dos soberanos mais importantes de sua época. 

No Oriente, direto ao império dos faraós, surge Nefertiti que reinou no Egito por mais de uma década durante o apogeu de uma civilização que iria influenciar a humanidade. Aclamada pela beleza, governou ao lado de Amenófis IV (Akhenaton) com status equivalente ao dele. Juntos, fizeram reformas culturais e religiosas. Imortalizada como uma das mais importantes rainhas de todos os tempos.

No do Egito havia o Império Meroe. Comandado por uma dinastia de negras que exerciam o poder civil e militar. Imortalizadas na história como Candaces: guerreiras nascidas sob o signo da coragem. 
Estiveram no apogeu de uma era de esplendor e fartura, abençoadas e impulsionadas pelo comércio com o Oriente Médio. A localização do império permitia o intercâmbio com outros povos: hebreus, assírios, persas, gregos e indianos. Terras ricas em ferro e metais preciosos eram convidativas ao comércio. 

Seus exércitos usavam armas de ferro e cavalaria, ferramentas e habilidades herdadas dos povos núbios, uma vantagem no campo de batalha. A idolatria daquela civilização pelos cavalos era tanta que eram enterrados junto com seus guerreiros e servi-los pela eternidade. Esta imagem: misto de homem e cavalo chega à Grécia, inspirando a figura do Centauro. Na religião, cultuavam Apedemek, deus da guerra e da vitória, representado por um homem com cabeça de leão. 

Um dia, rainhas e princesas Candaces foram obrigadas ao trabalho forçado na terra que veio ser chamada de América. Em terra distante, ligadas ao passado, geraram o valor da bravura herdada de suas ancestrais. Sua descendência não desaparece por completo. A palavra liberdade ganha significado mítico no Brasil, dando novo sentido à vida levada entre clausura e trabalho forçado. A bravura das Candaces foi eternizada pela tradição oral africana, que espalhou os grandes feitos das suas soberanas, inspirando a luta de guerreiras que subverteram a força dos seus senhores e lutaram pela liberdade. 

Mulher. Negra. Gênero e raça. São as Candaces dos nossos dias, herdeiras do laço afro e da missão de semear a melhora na Terra. Provedoras da força que nos acompanha desde os primeiros passos. Detentoras do relicário da arte em prol do coletivo. Candaces, mulheres, guerreiras.


por Júnior Santiago:  camocinense, graduado em filosofia chancelado pela UFG e atualmente faz teologia na PUC Minas Gerais. Congregação São Pedro Ad Víncula.