Por Inácio Santos
Depois de alguns anos desativada,
talvez pela escassez de padres à época, a Igreja de São Pedro foi novamente
reativada com a vinda de mais um padre para tomar conta da referida paróquia,
visto que o vigário geral (saudoso) Monsenhor Inácio Nogueira Magalhães, estava
velho e cansado para cuidar de duas paróquias, e ainda viajar para os muitos
interiores, celebrar festejos, etc., como manda o ofício de bem cuidar do
rebanho.
O então ordenado padre foi
designado para coadjuvá-lo em tal mister, e para isso fixou residência na casa
paroquial de São Pedro, anexo à igreja, ou melhor, uma espécie de continuidade,
pois a casa é interligada à nave.
Candidatos a seminaristas,
líderes de grupos jovens, e outras atividades pastorais, eu, Severino e
Batista, auxiliávamos o padre nas atividades do dia-a-dia, bem como,
secretaria, viagens e as famosas “desobrigas”, pois com a chegada do jovem
Padre toda essa parte passou à sua responsabilidade.
Tudo ia muito bem; recuperamos a
secretaria que estava jogada às traças, formamos outros grupos de jovens
(inclusive um do próprio bairro de São Pedro); organizamos um calendário de
visitas pastorais, horário para confissões, casamentos, batizados, etc. Em
suma, colocamos a casa (igreja) em ordem. Tais fatos acontecem
concomitantemente no ano de 1973.
Com a aproximação da “semana
santa” do citado ano, eis que então veio endereçado ao padre da paróquia (São
Pedro) um convite para que o mesmo participasse de um “retiro espiritual” na
capital de Pernambuco – Recife, - evento da maior importância de neo-padres,
que iniciam suas vidas paroquiais. Não deu outra! De imediato, o convite foi
aceito. O tal retiro começava quinta-feira santa indo até Domingo da
Ressurreição. Eram, assim, portanto quatro dias.
Ao chegar o dia da viagem, o
reverendo fez as malas, não antes de chamar-nos e desfiar um rosário de
responsabilidades e tarefas que iam desde as reuniões com grupos, limpeza e
manutenção, recado aos paroquianos e beatos, bem como as devidas desculpas pelo
seu afastamento, cuidados com a casa, e uma atenção especial para com o quintal
onde havia suas criações: patos, galinhas, marrecos, atentando ainda mais
cuidadosamente para um porco (suíno) que estava lá no fundo do quintal, na
serva (engorda) dentro dum chiqueiro, pois como é notório e tradicional de
sexta para sábado (na semana santa), ovinos, suínos e toda ordem de galináceos,
são discretamente subtraídos (roubados) dos quintais para o regalo no sábado de
aleluia.
O referido porco havia o Sr.
Vigário ganho em uma de suas andanças pelo interior, ainda filhote (bacurim).
Trouxera-o e mandara construir um chiqueiro e o estava reservando para quando
completasse um ano de paróquia (faltavam três meses), quando pretendia
degustá-lo com alguns amigos, num lauto e regalado churrasco, regado com
algumas cervejas. O animal já estava de “bom tamanho”, ou seja, no ponto; mas
seu destino estava traçado para a tão esperada comemoração de um ano de
paróquia.
O certo é que o reverendo se foi
para participar do retiro e nós ficamos aptos e convictos a cumprir com nossas
obrigações. Mas como é sabido que “raposa não toma conta de galinhas”, não é
que o Batista que, por ser o mais velho do grupo, era uma espécie de líder (eu
tinha 17 anos, Severino a mesma idade e ele 19) de chofre nos disse:
- Vamos roubar o porco do padre?
Nós, eu e Severino fomos pegos de surpresa ante tal questionamento e
emudecemos. Ao que ele (Batista) retrucou:
- Ora, vamos! A gente mata o
porco, faz um pic-nic com a turma do JUBASP – Juventude Unida do Bairro de São
Pedro, no outro lado (Ilha do Amor). Quando o padre chegar e sentir falta,
dizemos que o dito cujo foi roubado. E então? Topam? Passada a surpresa, e
levando em conta os arroubos próprios da juventude por aventuras, não deu outra,
concordamos na hora.
Dito e aprovado, passamos a
maquinar a trama e entramos em ação. À noite, na reunião com o grupo que era
misto, levamos a idéia, que no início contou com algumas poucas objeções, mas
que logo foram suplantadas pela aquiescência e aprovação da maioria. E assim
foi feito.
Na madrugada da sexta para
sábado, o porco que estava reservado para a comemoração de um ano paroquial,
disto dali a três meses, finou-se.
Doamos a cabeça, mocotós (pés) e
vísceras a um Sr. (profissional) que nos ajudou. Enterramos o sangue, pêlos e
demais supérfluos num buraco fundo feito no quintal, pois não podíamos deixar
vestígios do crime.
A carne do leitão, que por sinal
estava deliciosa, foi avidamente consumida, acompanhada com farofa,
baião-de-dois e outras guloseimas, tudo regado é claro com muita pinga,
cerveja, refrigerante, bastante alegria e gozação.
É claro que tornamos todo o grupo
nossos cúmplices e ninguém poderia abrir o bico, ou seja, todos deviam
confirmar o que nós três (eu, Severino e Batista) íamos falar: o porco fora
roubado.
Passados os dias, chegou a hora
do retorno do vigário. Fomos esperá-lo com o jeep, na rodoviária. Era já quase
noite de segunda-feira, quando finalmente o ônibus chegou. Colocamos as malas
no carro e fomos para casa. O padre tomou banho, depois jantou, e conversa vai,
conversa vem, pergunta isso, pergunta aquilo, ele nos falando do êxito do
retiro, nós dissemos que tudo havia corrido as mil maravilhas, e como já era
noite, e todos, principalmente o padre estava enfadado, fomos dormir.
Terça-feira, logo que o dia
amanheceu, fomos despertados com o grito do reverendo, nos acordando, pois
tinha ele o hábito de se levantar cedo e logo verificava o quintal. Não deu
outra! Ao fazer tal inspeção, do porco só havia sobrado o chiqueiro.
- Mas não é possível! O que
aconteceu? Eu não falei para vocês terem cuidado? Cadê o meu porco? Acordamos
sob esta saraivada de lamentos, misturadas com acusações.
Batista, até por ser nosso líder
e mentor, pigarreou, pois nada o apressava, com seu jeito macio, na maior calma
e descaramento afirmou:
- Pois é, Padre... nós esquecemos
de lhe falar ontem, mas não é que o ladrão entrou e levou o bicho! Nós fomos
dormir de madrugada, fomos ao quintal, o porco estava aí quietinho dentro do
chiqueiro. Quando foi de manhã, nem rastro. Não foi? Olhou pra nós que, ato
contínuo, confirmamos – cada qual a sua maneira:
- É verdade. Ninguém ouviu nada.
- Como é que pode? E olhe até que
o bicho já era bem grandinho. Foi aí que o circo pegou fogo, ou melhor, a
igreja. O padre nos acusava, nós nos defendíamos, jurávamos de mãos e pés
juntos. E vai lá, vai cá... O certo é que o vigário não se convenceu, nem se
conformou muito com a nossa história, pois já nos conhecia. Porém, nada mais
havia a fazer e, como era hora do café e logo após a missa matinal e outros
afazeres, nós também tínhamos as nossas tarefas. Ele se foi, mas prometendo que
ia investigar, e ai de nós, se descobrisse alguma mutreta.
O dia transcorreu nesse clima:
todo mundo calado pelos cantos, ressabiados. Ele, conosco, e nós, em
contrapartida, fingindo estar magoados.
Mas como não existe crime
perfeito, o padre pergunta aqui.... investiga ali... não é que um dos membros
do grupo jovem era parente de um sacristão (havia dois na igreja) e comentou o
acontecido em casa. O dedo-duro do sacristão ouviu e, como todo bom puxa-saco,
só deu tempo de chegar até o padre, e...
Quarta-feira, pela manhã, foi
quando o “Judas Iscariotes” (Sacristão) nos delatou. O padre, ao saber de tudo,
(pois o babão relatou nos mínimos detalhes), ficou como se diz por aí: “fumando
numa quenga”... Veio para cima de nós – Diz-se por aí, (com quatro pedras na
mão). Ele veio com quarenta.
Irresponsáveis! Mentirosos! Ainda
por cima, querem ser seminaristas! Pois não serão! Vou contar tudo ao bispo...
e tem mais, vocês três vão pagar, vou descontar do que vocês ganham (era apenas
ajuda de custo, uma merreca), ainda vou chamar o pai de vocês para que tomem
conhecimento... E por aí a fora vociferava o encolerizado padre.
Ficamos calados, cabisbaixos,
pois não tínhamos razão e nem podíamos revidar. Após o sermão, depois de dizer
“cobras e lagartos”, o reverendo saiu.
- Não disse que não ia dar certo?
- Que nada, se não fosse aquele
sacristão puxa-saco...
- E agora? O que vamos fazer?
Pagar? Se o dinheiro que a gente ganha não dá pra nada.
- Será que ele vai dedurar para o
bispo e impedir nossa entrada no Seminário?
Ficamos conjecturando por um bom
tempo até que o famoso e tinhoso Batista, disse de repente:
- Esperem! Eu achei uma solução!
Além de ele ter que nos perdoar, não teremos que pagar nada e não poderá falar
nada, nem pro bispo, nem para nossos pais e nem pra ninguém.
- Qual é?
- Fala! Inquirimos eu e Severino
ao mesmo tempo. Batista nos chamou a um canto e com aquele jeito próprio,
malandro, e maquiavélico segredou nos nossos ouvidos em tom de sussurro.
Ora, pois não deu outra! No final
da missa das 17:0min havia uma hora para as beatas e os beatos se confessarem.
Neste dia, na fila, havia mais três: eu, Severino e Batista. Pois é, sabido que
todo pecado é perdoado no ato da confissão, e que o segredo é inviolável, não
pode o padre comentar, sob pena de perder o direito do sacerdócio.
Na hora do jantar, quando nos
reunimos à mesa, o padre olhou bem para cada um de nós e ainda fingindo estar
zangado perguntou:
- Muito bem! De quem foi a idéia
da confissão comunitária?
Olhamos, eu e Severino,
incontinenti para o Batista que a todos encarou ao mesmo tempo com a cara mais
cínica e deslavada.
Ninguém mais resistiu:
Foi uma gargalhada geral.