O Revista Camocim reproduz o artigo do Fernando Brito, publicado no Tijolaço
O cantor Ney Matogrosso deu, outro dia, uma
entrevista da TV de Portugal,(AQUI) desancando o Brasil que, na visão dele, é o pior
dos mundos, embora isso soe estranho lá no país irmão, assolado por um
desemprego que tem taxas cinco vezes maiores que as do Brasil.
Logo de início, Ney diz que a
saúde no Brasil é um caos e diz que as pessoas são jogadas no chão, “em cima de
um paninho”.
É verdade, e essas cenas
acontecem em muitos lugares, inclusive os mais ricos e desenvolvidos, como no
chocante e recente caso da idosa largada ao chão de um hospital estadual de São Paulo, administrado pelo partido de gente que se diz “perfeita” na “gestão”. E não é só lá, existe muita
coisa errada ainda neste país.
Mas aí o ótimo cantor derrapa
no saudosismo de uma classe média que tem saudades do país em que os poucos
centros urbanos eram “pérolas” e a imensa multidão das periferias e do interior
eram habitantes invisíveis de uma selva perdida e distante.
Ney diz que a saúde no Brasil
“foi decente nos anos 50.”
- A saúde pública era
exemplar, era copiada na América Latina.
Pois bem, curioso com este
“paraíso sanitário” invocado por Ney Matogrosso, e encontrei um Brasil onde, na
década da “saúde exemplar” , morriam 118 de cada mil crianças nascidas vivas,
antes de completarem um ano de idade. Sem qualquer exagero, pensando na quantidade
de “anjinhos” que desciam ao túmulo, não é
absurdo imaginar que esta taxa subisse até 200 por mil até os cinco anos
de idade.
Sabe, Ney, “inclusão”
significa que todo mundo é brasileiro, não apenas a classe média urbana.
mortalidade
Hoje, o Governo
brasileiro anunciou o atingimento, antes do prazo previsto, da meta assumida com a ONU em termos de mortalidade infantil.
Em cada mil crianças, até os
cinco anos de idade, não morrem as 200 do tempo da “saúde exemplar”, mas menos
de 18 (17,7 por mil, exatamente).
A evolução recente está neste
gráfico. Neste trabalho de Carlos Batistella, da Fiocruz, você encontra os
dados mais remotos.
Ainda é muito, porque não
deveria morrer nenhuma, embora não se possa evitar, nem no melhor dos mundos, a
fatalidade.
E como, no Brasil, nascem
perto de 2,8 milhões de crianças, o que faz 14 milhões de meninos e meninas de
até cinco anos, saber que esta taxa de mortalidade caiu, de 2002 para cá,
quando eram 30 por mil nascidos vivos faz com que se possa concluir que isso
salvou a vida de centenas de milhares de meninos e meninas.
Por isso, Ney, talvez você
devesse parar e lembrar dos lindos versos de Vinícius de Moraes que eu, então
um adolescente, conheci pela sua voz.
Pensem nas crianças/mudas,
telepáticas
As crianças de Hiroshima, tão
preciosas quanto as nossas, eram. talvez, 20 ou 30 mil entre os 140 mil mortos
daquela barbárie atômica.
Aqui, foram dez ou vinte vezes
mais crianças que escaparam da fome hereditária, da fome radiotiva, estúpida e
inválida que vem de lá, de muito antes dos tempos de “saúde exemplar” que, você
tem razão, era copiata em toda esta nossa infeliz América Latina
E falta salvar mais delas,
Ney, não podemos nos esquecer nunca disso.
Porque, de outro jeito, a vida é sem cor, sem perfume, sem rosa, sem
nada.