"A verdade avança e nada a deterá"
PRONUNCIAMENTO
(Do Senhor FERNANDO COLLOR)
Sr. Presidente, Sras. e Srs.
Senadores,
O julgamento da Ação Penal
465, pelo Supremo Tribunal Federal no último dia 24 de abril, inspira-me a
reproduzir também as primeiras palavras que proferi desta tribuna, no ano em
que assumi o mandato de Senador da República nesta Casa, mais precisamente em
pronunciamento no dia 15 de março de 2007.
Naquela oportunidade,
rememorei os episódios que culminaram no processo de impeachment e que me
obrigaram a padecer calado por 15 anos. Afirmei então que “se o sofrimento e as
injustiças provocam dor e amargura, eles também podem nos trazer úteis e até
proveitosas lições. Ambos nos ensinam a valorizar a grandeza dos justos e a
justiça dos íntegros. Não é fácil volver os olhos ao passado e reviver, em toda
a sua extensão, a tortura, a angústia e o sofrimento de quem, agredido meses a
fio, teve de suportar as agruras de acusações infundadas e a condenação antes
mesmo de qualquer julgamento. As provações da vida pública têm que ser
suportadas com resignação e silêncio, especialmente quando provocadas pelas
paixões e alimentadas pelo fragor das ruas insufladas pela cegueira das
emoções.”
Novamente Sr. Presidente, como
naquela época, devo dizer que, “ao fazer este depoimento, cumpro menos um dever
pessoal do que um imperativo de consciência. Não foram poucas as versões, mais
variadas ainda as interpretações e não menos generalizadas as explicações.
Confrangido algumas vezes, contrafeito outras, mas calado sempre, assisti, ouvi
e suportei acusações, doestos e incriminações dos que, movidos pelo rancor,
aceitaram o papel que lhes foi destinado, na grande farsa que lhes coube
protagonizar.”
Sr. Presidente, Sras. e Srs.
Senadores, sete anos se passaram daquele pronunciamento ao qual denominei um
‘Relato para a História’. Modificou-se o cenário, renovaram-se os personagens,
transformaram-se as expectativas e alternaram-se os meios. Contudo, inalteradas
permaneceram a perseguição, a hostilidade, o encalço maldoso e difamatório com
o raso e restrito intuito de, mais do que informar ou retratar, tentar
desesperadamente formar uma opinião negativa e adversa em relação a mim, mas
que, num efeito inverso e sob a justiça divina e a lei dos homens, dilui-se a
cada dia e mais rapidamente, perante o descortinar da verdade.
A revivescência de todos os
crimes, delitos ou erros que foram indecorosa e injustamente a mim imputados,
pôde ser sentida no mais profundo âmago pessoal, mas também ser explorada por
meus detratores nos meses, semanas e dias que antecederam o meu último
julgamento de nossa mais alta instância de Justiça.
O resultado, nem sempre
reproduzido pelos meios na mesma proporção das notícias precedentes ou com a
mesma fidedignidade dos fatos – covardia, isto é covardia –, veio não apenas me
aliviar das angústias por que tenho vivenciado nos últimos 23 anos, mas
igualmente veio reescrever a História do Brasil na parte referente ao período
em que exerci, com muito orgulho e honra, pelo voto direto de todos os
brasileiros, a Presidência da República Federativa do Brasil. Em verdade, Sr.
Presidente, este novo julgamento, esta
nova absolvição, possui, em especial, o mérito e a virtude de passar a limpo o
país no que tange ao meu período à frente da Presidência da República. Um
período, diga-se, dos mais importantes de nossa República – e do qual me
orgulho profundamente –, na medida em que consolidou o processo de
redemocratização política, por meio da primeira eleição direta para Presidente
da República, após 25 anos de governo sob um estado de exceção. Um período
ainda em que foram lançados os fundamentos macroeconômicos e estruturantes da
administração, bem como promovidas a completa abertura comercial e a quebra de
monopólios de mercado. Entre outros, foram componentes sem os quais seria
impossível alcançarmos a estabilização econômica do Brasil. E tanto foi assim,
que basta citar dois depoimentos de pessoas que sequer me apoiavam, dentre
tantos outros que assim o fizeram. Um, do economista Roberto Campos, que
reconheceu ser o meu Projeto de Reconstrução Nacional, o meu projeto de governo
apresentado na agenda de 1990, como o mais completo plano de governo que o
Brasil já teve. Outro depoimento foi o do jornalista Luis Nassif, que
asseverou: “Julgamentos políticos não podem se restringir à meia análise das
chamadas virtudes éticas comuns – umas devem ser feitas em cima da própria
ética do Estado, do compromisso de mudar realidades e construir nações. E,
nisso, Collor foi imbatível”.
Por isso, vale evocar o
pensamento de Benedetto Croce, quando disse que “Não basta dizer que a história
é o juízo histórico, mas é preciso acrescentar que todo juízo é juízo
histórico, ou história, com certeza.” Em sintonia, as palavras de Cervantes
completam a mensagem ao elucidarem que “A história é a mãe da verdade, êmula do
tempo, depositária das ações, testemunha do passado, exemplo e anúncio do
presente, advertência para o futuro.”
Sr. Presidente, Sras. e Srs.
Senadores, a decisão do Supremo Tribunal Federal permitirá, mais do que o
resgate da justiça e da imagem de um homem público, a reflexão da sociedade em
geral sobre a verdade dos fatos e, em particular, de uma geração de jovens que
tão somente ouviram inverdades ou estudaram em livros tendenciosos por versões
falseadas. E para que não reste qualquer dúvida, é imperativo realçar a
unanimidade dos votos de Suas Excelências os Ministros do Supremo Tribunal
Federal que, por 8 votos a zero, me absolveram de todas e últimas acusações a
mim impostas.
A despeito dessa esmagadora
realidade do resultado, uma outra vitória aconteceu. Por 5 votos a 3, os juízes
de nossa Corte Superior entenderam pela absolvição, também no mérito, de outros
dois crimes mesmo em detrimento de sua prescrição. Não se trata de 3 votos
contrários, e sim fruto do debate em torno da absolvição no mérito, ou da
preliminar de prescrição daqueles crimes. Ou seja, mesmo neste caso, a maioria
julgou pela absolvição completa. Ou, em outras palavras, não houve, nos 16
votos proferidos nas duas votações – quanto às preliminares e quanto ao mérito
–, nenhum voto pela minha condenação em relação aos três crimes de que me
acusava o Ministério Público.
E não poderia ser diferente.
Ao fazer a sustentação oral, meu advogado, Dr. Rogério Marcolino, deixou claro
que em nenhum momento a prescrição dos crimes fôra objeto da defesa. Insistiu
que era do meu desejo o julgamento integral do mérito de todas as acusações a
mim impostas, sem qualquer subterfúgio prescricional ou de extinção da
punibilidade. Foi este o julgamento, o resultado unânime da instância máxima de
nossa Justiça. Da mesma forma, a defesa sequer alegou o consagrado princípio do
Direito Penal que assegura que nenhum acusado, absolvido por sentença
transitado em julgado, poderá ser submetido a novo processo e julgado duas
vezes pelos mesmos fatos. Isso porque, Sr. Presidente, na Ação Penal 307, a
inicial que originou a Ação 465, o Supremo Tribunal Federal já havia me
absolvido em 1994. Mas nem isso chegou a ser ventilado em minha defesa. O
objetivo era o julgamento integral visando à absolvição completa, revisada e
ratificada pela mais alta Corte de Justiça do país. Afinal, diante da minha
certeza e convicção de inocência, “a verdade, como dizia Bertold Brecht, avança
e nada a deterá.” É o caso exemplar do ditado vincit omnia veritas, ou seja, a
verdade tudo vence.
Contudo, Sr. Presidente,
diversas outras observações e constatações devem ser extraídas e, mais ainda,
refletidas e acolhidas de mais este histórico julgamento, a começar pelo
parecer de Sua Exª a relatora da ação, Ministra Cármen Lúcia. Nas palavras do
Ministro Luís Roberto Barroso, “o voto da relatora foi cuidadoso, meticuloso,
brilhante e isento.” Apenas esta peça, a do voto, consumiu mais de 50 páginas.
E sua conclusão foi enfática: o acusado, disse ela, “deve ser ele absolvido.”
Em suas alegações finais, a
relatora foi diretamente ao ponto ao qualificar que à denúncia do Ministério Público:
“faltam elementos de convicção”. Disse ela também: “Inexistem provas e
indícios, o que impossibilita a condenação pleiteada” e que “contornos de
conjectura são insuficientes. (…) Num processo penal, tudo que oferece duas
vertentes lógicas (absolvição ou condenação) não permite ao magistrado concluir
apenas em elucubrações em prejuízo do acusado. O interesse do Estado e seu
dever é julgar, e não condenar necessariamente; propiciar um julgamento justo
para que se tenha justiça num caso concreto, e não uma resposta a um anseio de
vingança que eventualmente possa persistir. Há de se observar, continua a
relatora, os princípios da ampla defesa, do contraditório para, ao final,
prover os elementos de modo adequado, segundo o direito, no caso a jurisdição. A
absolvição ou a condenação haverão de ser em prova induvidosa na espécie”,
conclui ela.
Mais ainda, Sr. Presidente – e
isso merece atenção e registro –, ao final dos debates, a Ministra Cármen Lúcia
fez questão de ressaltar: “Esse mesmo réu foi sujeito de 14 inquéritos neste
Supremo Tribunal Federal, 8 petições criminais, 4 ações penais e mais duas
dúzias de Habeas Corpus, e NÃO FOI CONDENADO EM NENHUMA DELAS POR ABSOLUTA
FALTA DE PROVAS.” Em que pese o conselho de Sêneca de que devemos dizer a
verdade apenas a quem esteja disposto a ouvi-la, não há como deixar de prolatar
que esta fala da Ministra Cármen Lúcia é, em síntese, a verdade dos fatos; esta
é a justiça dos homens, queiram ou não ouvi-la, é a justiça dos homens!
Isso demonstra ainda, Sr.
Presidente, que esta volúpia, esta sanha acusatória era de tal ordem
estapafúrdia à época desses inquéritos a que me referi, reproduzindo as
palavras de S. Exa a Ministra Carmem Lúcia, que levou meus denunciantes à
insanidade de criarem uma verdadeira fábrica de acusações desprovidas de
qualquer sentido ou materialidade, única e exclusivamente pelo afã de
perseguição e má fé.
E aqui, vale realçar que não
adianta aos meios, ou a qualquer um que seja, tentar relevar ou mesmo
subestimar minha completa absolvição, alegando tão somente a motivação da falta
de provas, ou seja, insinuando entrelinhas ou querendo apontar de forma
escamoteada e covarde algum descrédito dos julgamentos. Ora, no Direito, em
qualquer parte do mundo, o elemento essencial para se considerar uma pessoa
inocente é exatamente a ausência de provas que o liguem diretamente ao fato da
infração penal. O próprio Ministro Luiz Fux enfatizou que a “absolvição por
falta de prova não faz dela melhor nem pior.” Na realidade, é como profetizou o
escritor Carlo Dossi: “Ao fogo da verdade, as objeções não passam de foles.”
O mesmo ocorre quando se
pretende minimizar o mérito de uma decisão judicial tomada com base na
prescrição, no sentido de ser o resultado mais, ou menos benéfico ao réu. Nesse
ponto, oportunamente destacou o Ministro Teori Zavascky, ao relembrar o
ensinamento do ex-Ministro Francisco Rezek, que asseverou: “Há de existir em
nosso meio social uma suposição intuitiva evidentemente equívoca do ponto de
vista técnico e jurídico de que, numa hipótese como esta, a prescrição, mesmo a
prescrição punitiva do Estado, deixa seqüelas e, por isso, justifica a pessoa
que um dia foi acusada no interesse de ver levada adiante a análise do processo
na busca de absolvição desse exato título. Sucede que não é isso que ocorre em
nosso sistema jurídico. A pretensão punitiva do Estado, quando extinta pela
prescrição, leva a um quadro idêntico àquele da anistia. Isso é mais que
absolvição. Corta-se pela raiz a acusação. O Estado perde sua pretensão
punitiva, não tem como levá-la adiante, esvaziá-la de toda sua consistência.”
Soma-se a esse entendimento, o
fato de existir na prescrição a perversidade imposta ao acusado injustamente
pelo excesso de tempo decorrido entre a acusação e o julgamento que, no caso,
deixa de existir. São anos de angústia e padecimento pelos quais somente quem
passa e vivencia está isento para uma real avaliação do mal causado. Pois que,
enquanto não absolvido, restará sempre ao denunciado a pecha de réu, de
acusado, e a recorrente dúvida de todos em relação à sua honestidade e à sua
inocência. Nada mais desumano, Sr. Presidente, para quem tem a consciência
limpa e correta.
Outro ponto relevante do
julgamento foi o integral descarte por parte da relatora, acompanhada pelo
Pleno, da hipótese de aplicação do princípio do domínio do fato, que há pouco
tempo se tornou jurisprudência no próprio Supremo Tribunal Federal. Como
asseverou a relatoria, seria necessário haver provas do conhecimento do fato
para, então sim, materializar o suposto domínio. Se nem mesmo o fato ficou
claramente comprovado, sequer poderia comprovar o conhecimento e, menos ainda,
o domínio sobre ele. Que isto fique, também, pacificado e sacramentado na mente
de cada um.
Em contrapartida, não há como
deixar de registrar o grave, gravíssimo e tenebroso modus operandi do
procurador da República que promoveu a denúncia e, tristemente, o papel do
Ministério Público que acolheu sua peça quando a ofereceu ao Supremo Tribunal
Federal. Refiro-me, Sr. Presidente, Sras. e Srs. Senadores, a um ponto
específico e maldoso, reiteradamente observado pela relatora, a Ministra Cármen
Lúcia. Avaliem, vejam, percebam a gravidade: trata-se da alteração dos
depoimentos das supostas testemunhas – que na verdade eram co-réus – na
transcrição para os autos do processo, de modo a subverter os fatos e as
versões para, obviamente, favorecer a acusação. Em uma passagem – vejam só a
que ponto se chega numa acusação improcedente! – a peça acusatória retirou a
expressão “grupo de amigos”, no trecho em que determinado personagem dizia que
“foi procurado por um grupo de amigos do Presidente” – referindo-se a mim –,
com a clara e má intenção de dar a entender que teria havido um contato direto
entre aquele personagem e o Presidente da República. E mais: em outro depoimento,
simplesmente a transcrição do Ministério Público omitiu a expressão “salvo
engano” de uma frase que atribuía o julgamento de uma licitação a uma comissão
específica. A retirada do termo inverteu tudo, tornando uma dúvida do depoente
em uma certeza. Ou seja, um elemento essencial para um juízo de avaliação foi
sumariamente, de forma maldosa, excluído da peça principal dos autos. Isso é ou
não é má fé, Sr. Presidente?… Em verdade, isso chega a caracterizar um crime,
um crime de falsidade ideológica, ou como se diz, um dolus vilatus, um dolo
disfarçado. E a julgar por este fato, ao final do processo e pelo seu
resultado, o que restou da Ação Penal 465 é que, se houve um crime, se houve um
fato delituoso, se houve uma conduta ilícita, estes foram cometidos pelo
próprio denunciante, o Ministério Público. É este o exemplo que a
Procuradoria-Geral da República quer dar àqueles que operam a justiça
brasileira?
Não por outro motivo venho
salientando o papel desenfreado e atentatório que determinado grupo de procuradores
da República vem exercendo e que só faz deslustrar a importância institucional
do Ministério Público, principalmente como um dos pilares básicos do Estado
Democrático de Direito. Não foi à toa que Sua Exª o Ministro Luiz Fux – utilizando-se na minha opinião até de um
eufemismo – classificou a prova apresentada pela denúncia, ou seja, os
depoimentos, como “transcrita de forma infiel”. Também não por acaso, a
relatora, Ministra Cármen Lúcia, diante de provas baseadas apenas em
depoimentos adulterados e reportagem de revista, denominou a peça acusatória
como não sendo “um primor de denúncia.” A tal ponto que, o próprio Ministério
Público, que inicialmente destacou – e isso é muito importante – um determinado
personagem como peça fundamental do alegado esquema pela suposta proximidade
com o Presidente da República, na sustentação oral durante o julgamento
reconheceu que se tratava de um servidor de terceiro escalão que sequer tinha
contato pessoal comigo. Ou seja, tratava-se na verdade de um correu, arrolado
ilegalmente como testemunha, que tinha tão somente um papel “mequetrefe”, como
descreveu o Ministro Luiz Fux.
Em suma, não caberia outra
adjetivação à denúncia que não fosse esta, uma peça que não preza pelo primor.
E nem poderia ser diferente, Sr. Presidente. Digo isso não pela incompetência
jurídica da Procuradoria-Geral da República ao oferecer denúncias, mas sim pela
realidade dos fatos, qual seja, a fraqueza da argumentação e a ausência de
provas concretas e cabais de minha participação, de meu dolo ou culpa naquela
vã tentativa de, mais uma vez, incriminar-me por atos que não cometi e por
fatos que não conheci.
Aqui, importa ressaltar também
que em nenhum meio verifiquei a descrição real do que foi o julgamento,
notadamente quanto a esses lamentáveis aspectos a que me referi, como a
adulteração, por parte do Ministério Público, na transcrição dos depoimentos
das pessoas envolvidas e arroladas no processo. Não li isso em nenhum lugar. Da
mesma forma, também não li nem constatei nos meios a fidedignidade das
informações cruciais no que tange aos verdadeiros motivos da minha completa
absolvição por unanimidade pela mais alta instância jurídica do país, mais uma
vez, 20 anos depois, e diga-se, pela segunda vez em processo análogo. Como
sempre, o que prevaleceu nos principais meios foram a má vontade com a notícia
de conteúdo e a costumeira – a costumeira, que nós já conhecemos – malevolência
com os reais acontecimentos.
Como disse antes, não há que
se esperar a verdade daqueles que não querem ouvi-la. A esmagadora maioria dos
meios, com a conivência desastrosa de setores do Ministério Público, continua,
como disse a Ministra relatora, imbuídos de um “anseio de vingança”. Anseio de
vingança, palavras da Ministra relatora. Ademais, faz parte deste circo, a
mania de desqualificar decisões, de omitir fatos e subjugar inteligências para
atenuar verdades contra as quais eles sempre se mostraram avessos e pelas quais
relutam para inadmiti-las, a ponto de persistirem publicando inverdades. Não
por coincidência, os meios tentaram maldosamente, uma semana antes de meu
julgamento, vincular-me a um esquema criminoso, cuja investigação está em curso
pela Polícia Federal. Esse folhetim que é publicado semanalmente e que se
costuma chamar de Veja – sempre ela – continua tentando ludibriar a população
ao me acusar de receber suposto valor proveniente de suposto esquema de crimes
que eles nem conseguem identificar. Como sempre, o autor da matéria é o mesmo,
que saltitando – como a borboleta do pastoril – de revista em revista, tem como
sentido, pretensiosamente profissional, tão somente tentar me criar mossa. Não
é a primeira vez que essa borboleta saltitante age dessa forma. Trata-se de um
risco preliminar de jornalista, digno das palavras de Otto Maria Carpeaux: “O
jornalista é um homem que sabe (ou tenta, digo eu) explicar aos outros, o que
ele próprio não entende.” É exatamente quando deveria estar atento ao que versa
o Código Nacional de Ética dos Jornalistas Brasileiros, tão bem defendido pela
Fenaj, a Entidade máxima da categoria em nosso País. Está dito em seu artigo
4º: “o compromisso fundamental do jornalista é com a verdade no relato dos
fatos, e deve pautar seu trabalho na precisa apuração dos acontecimentos e na
sua correta divulgação”, o que não aconteceu.
Sr. Presidente, Sras. e Srs.
Senadores, é de se lamentar, também, a participação final no julgamento do
presidente do Supremo Tribunal Federal, Sr. Joaquim Barbosa. Se no Brasil, a
Justiça como um todo, padece de letargia, o presidente da mais alta Corte Judicial
carece de liturgia. O Sr. Presidente da Suprema Corte do País tem uma carência
de liturgia para o exercício de seu cargo. Mais grave do que se confundir ao
declarar o resultado do julgamento – chegando a dizer que não havia como
proclamá-lo –, e até dele desdenhar com descaso e falta de postura, foi a
tentativa do Ministro Joaquim Barbosa em resumir de forma desmerecedora e
embaraçosa todo o enredo da ação e do julgamento. Deturpando completamente o
parecer da Ministra relatora e reinterpretando desidiosa e deformadamente os
fatos, o presidente do Supremo, sob sua ótica, simplesmente afirma que, de tudo
que se apurou, restou apenas comprovar a relação direta, o elo dos crimes
praticados por outros com a figura do Presidente da República. Tudo baseado em
“mais do que indícios”, como ele mesmo asseverou. Ora, Sr. Presidente, além de
a relatora, a Ministra Cármen Lúcia, e antes o Ministro Menezes Direito, terem
se debruçado sobre os autos por sete anos seguidos, esqueceu-se o Ministro
Barbosa que todos os outros co-réus, que supostamente praticaram aqueles
supostos crimes ou delitos, foram, todos eles, inocentados pela Justiça Comum,
como bem lembrou tanto a relatora como a própria Vice-Procuradora Geral da
República que representou o Ministério Público na denúncia. Por isso, vale aqui
repetir as palavras da Ministra Cármen Lúcia. Disse ela em seu voto: “Os laudos
grafotécnicos e contábeis não fazem referência ao réu, e sim aos co-réus e que
foram, inclusive, absolvidos na justiça Comum.” Palavras da relatora, Ministra
Carmem Lúcia. Em outro trecho ela ressalta: “Causou-me estranheza a
circunstância de que cada testemunha tenha apresentado versões diversas dos
fatos narrados na peça acusatória e nenhuma imputa ao réu as condutas
cominatórias previstas.” E ainda: “A denúncia é juridicamente confusa e são
questionáveis as alegações do Ministério Público”, relatou a Ministra. Assim
sendo, afinal, a que crimes se refere o Ministro presidente do Tribunal? De que
provas fala ele? Que “ordens ou determinações” esperava encontrar o Ministro?
Se todos os acusados foram absolvidos, inocentados por falta de provas, a que
fatos comprovados o Ministro alega? Sinceramente, não é esta a conduta, a
razoabilidade, o estoicismo que se espera de um chefe de Poder da República. Querer,
ao fim de um julgamento em que ele mesmo votou pela absolvição do acusado,
reescrever todo um processo pelas palavras que lhes são mais convenientes e,
ainda, com a suposta convicção errônea que somente a ele pertence, não é crível
nem prudente a um presidente do Supremo Tribunal Federal, ainda mais se nada do
que disse reflete a verdade do juízo.
Portanto, o que nos resta
agora, Sr. Presidente, Sras. e Srs. Senadores, é refletir. Em que pese ter sido
talvez o homem público mais investigado da história política deste país, estou
absolvido de todas, absolutamente todas as acusações. Estou inocentado de todas
as delações. A ninguém é mais dado o direito, salvo por reiterada má fé, de
dizer o contrário ou sequer fazer meras ilações.
Todavia, depois de mais de
duas décadas de expectativas e inquietações pelas injustiças a mim cometidas,
cabe agora perguntar: quem poderá me devolver tudo aquilo que perdi? Quem? Quem
poderá me devolver tudo aquilo que perdi? A começar pelo meu mandato
presidencial e o compromisso público que assumi; a tranquilidade perdida por
anos a fio, assim como a retratação proporcional que todo ser humano merece ao
ser pré-julgado sem julgamento, injustiçado sem culpa, vitimado sem dolo e
responsabilizado por atos e fatos inventados e versões forjadas. Quem pagará
pela difamação insana, pelo insulto desenfreado, pela humilhação provocada,
pelas provações impostas, ou mesmo pelas palavras intolerantemente pronunciadas
e, mais ainda, inoportunamente escritas? Terei eu que conviver, com resignação,
pela dúvida se caberá tão somente ao meu destino responder a tudo isso, ou
terei a certeza das devidas reparações além daquelas amealhadas pela Justiça
brasileira?
Enfim, Sr. Presidente, Sras. e
Srs. Senadores, este último e derradeiro julgamento a que fui submetido pelo
Supremo Tribunal Federal, vale dizer, me absolvendo mais de 50 vezes – repito,
mais de 50 vezes –, é um ponto final para quem ainda duvidava de minha
inocência. Mesmo para aqueles que, por ignorância, maldade ou inconformismo,
entendem que a justiça só se faz se houver condenação. Há pessoas que pensam
desta forma: que só há justiça quando há condenação – mesmo que a condenação se
dê em alguma delegacia perdida nos subúrbios de Nova Iorque. Será que
persistirão nesta rasa interpretação?
Aos meus contumazes
detratores, àqueles que insistem em não se renderem à verdade ou à Justiça, aos
meus adversários políticos de hoje e denunciadores, enfim, a todos os que, por
vingança ou inconformismo, ainda persistem em me acusar, fica a minha resposta,
associada a um sofrimento de 23 anos carregando penosamente esta cruz, a cruz
da dúvida. Fica esta resposta invocada no ensinamento de Schopenhauer:
“Em geral, a iniqüidade, a
injustiça extrema, a dureza, a própria crueldade, estas são as principais
características da conduta dos homens uns em relação aos outros: o contrário
não passa de rara exceção. É sobre isso, e não sobre vossos contos da
carochinha, que repousa a necessidade do Estado e da legislação.”
Era o que tinha a dizer, Sr.
Presidente, Sras. e Srs. Senadores.
Dito isso, Sr. Presidente – e
agradecendo a V. Exa mais uma vez pela condescendência na concessão do tempo
para que eu pudesse aqui me dirigir ao Brasil – eu agradeço a todos pelo tempo
que me ouviram e digo o meu muito obrigado pela paciência e, especialmente,
como disse, à Presidência dessa sessão, pelo Presidente Jorge Viana.
Sala das Sessões, em 28 de
abril de 2014.