
Igor Natusch autorizou ao site Pragmatismo Politico a reproduzir a íntegra de sua
investigação. A pesquisa completa e reveladora você pode ler abaixo.
Por Igor Natusch | Sugerido
pelo leitor Vinícius Lepore
Tanto falaram de Mikkel
Jensen, o jornalista dinamarquês que desistiu de cobrir a Copa chocado com os
dramas do Brasil, que resolvi pesquisar um pouco o cara. Não fui com uma tese
pronta: apenas queria ver qual era. Achei infos que julgo interessantes, que
postei no meu perfil do twitter e vou tentar (apesar do sono) compilar aqui. Se
eu estiver errado em qualquer coisa, por favor me corrijam, já que não há
nenhum AMOR PRÓPRIO meu envolvido. Nâo considero isso senão um levantamento
divertido de fazer. Lá vai:
- Antes de mais nada: Mikkel Jensen não é o nome profissional dele. Será bem mais fácil achar referências sob o nome Mikkel Keldorf, que ele usa com bem mais frequência;
- Seu perfil no Facebook
(https://www.facebook.com/mtkjensen) parece que não existia antes de fevereiro
de 2013. Suas primeiras postagens, já críticas à Copa, são de 19 de novembro.
Antes, só likes. (que o perfil
seja novo não é absurdo: muitos criam perfis em redes sociais para uso em
viagens ou contato com pessoas em países distantes. Tenho amig@s nessa situação
e pode perfeitamente ser o caso aqui. talvez não postasse porque não tinha o que
dizer – usava apenas para falar no chat, sei lá);
jornalista-dinamarques-1
- O curioso é que a pessoa
creditada como sua namorada, Melanie Festersen Spile
(https://www.facebook.com/melanie.spile), também não tinha perfil no Facebook
antes de fev/2013. Ela viajou junto com ele? Criou perfil exclusivamente para
conversar com o namorado que viajava? É possível;
- O único lugar onde é
possível achar contribuições frequentes de Mikkel Keldorf é no Pladepressen
(http://pladepressen.dk), que parece ser um site focado na cena musical da
região. Mikkel escreveu uns artigos e tirou fotos para o veículo, que durou um
ano ou um pouco mais. As últimas atualizações na página do Pladepressen no
Facebook (https://www.facebook.com/Pladepressen) são de… Fevereiro de 2013. Ou
seja, razoável deduzir que Mikkel Keldorf era um dos sócios do Pladepressen e
desistiu da empreitada quando resolveu vir ao Brasil, no começo do ano passado
(se quiserem ler uma edição do
Pladepressen:http://pladepressen.dk/wp-content/uploads/2012/10/PladePressens-e-mag-oktober.pdf);
- Então Mikkel Keldorf – que
tem material esparso publicado em alguns lugares desde 2012, incluindo viagem à
China e inclusive uma reportagem sobre Ronaldinho
(http://www.tipsbladet.dk/content/druk-og-damer-ronaldinhos-fede-fodboldferie),
mas nada antes disso – vem ao Brasil. Edita, até onde consegui puxar, um único
material jornalístico entre setembro de 2013 e abril de 2014: uma reportagem em
vídeo para a TV2 dinamarquesa
(http://nyhederne.tv2.dk/2014-03-31-reportage-sikkerheden-i-rio-vakler-forud-vm)
sobre ações policiais na Favela da Maré, no Rio;
- Aí como sabemos, ele se
revolta com coisas que descobre em Fortaleza e, ao invés de fazer um material
jornalístico bombástico sobre o que achou, decide largar a cobertura da Copa de
mão (seu sonho) e volta para casa. Sabe onde sua decisão é noticiada primeiro?
Na Dinamarca, mais precisamente no dia 9 de abril:
http://ekstrabladet.dk/sport/fodbold/landsholdsfodbold/vm2014/article2258090.ece
Até aí, ninguém noticiou nada
a respeito dele no Brasil;
- Curiosamente, um vídeo de
quase 40mins é publicado no canal de Mikkel Keldorf no Youtube no dia 12:
https://www.youtube.com/watch?v=SjxWXjeOFc8 Esse vídeo é curiosíssimo e para
mim, intrigante. Nele, o jornalista não faz matéria alguma: é entrevistado por
figuras ocultas, que em nenhum momento se identificam – o vídeo, embora editado
de forma competente, não tem créditos senão o do próprio Mikkel, aqui também
Keldorf e não Jensen. Quem o entrevista? Por que esse material (uma boa história
em potencial) só aparece na página do próprio Keldorf e não da(s) pessoa(s)
responsável(is) pelo vídeo? Por enquanto, não se sabe;
- Finalmente, dois dias depois
de postar o vídeo no YouTube, Mikkel faz um desabafo em sua conta no Facebook,
que serviu de base para todas as matérias feitas até aqui. Ninguém parece saber
que a história foi divulgada semana passada na Dinamarca, nem que um vídeo
enorme foi publicado pelo próprio Mikkel no fim de semana. Ou seja, ninguém
falou com Mikkel Keldorf Jansen ou foi além do post no facebook para escrever
suas matérias.
Meu palpite (e é tudo palpite
mesmo, nada além): Mikkel Keldorf é um jornalista eventual – um cara que viaja
para lugares distantes como turista e oferece material a jornais dinamarqueses
para ajudar a pagar as contas. Posso ter pesquisado mal, mas não achei nenhuma
produção jornalística consistente de sua parte, a não ser no Pladepressen, uma
pequena revista regional sobre música que parece ter sido projeto dele próprio.
Ou seja, dizer que é jornalista é algo que refere-se a parte de suas
atividades, talvez sua formação, mas não é exatamente a coisa que ele mais faz
na vida. Confiram o perfil profissional
dele:http://www.mikkelkeldorf.dk/category/resume/ Veio para o Brasil tentar
cobrir a Copa e ganhar dinheiro, o que não conseguiu (vendeu uma só matéria, ao
que parece). Acho razoável deduzir que volta à Dinamarca especialmente por
isso, ainda que o choque com as mazelas do Brasil possa, é claro, ter
influenciado sua decisão.
Antes de ir, alguém descobre
sua história e faz o vídeo – pessoas das sombras, que não se identificaram e
não fizeram menção de usar o material que fizeram ou jogá-lo na imprensa.
Ninguém sabe nada dele além do Facebook – a própria versão que apresentam sobre
sua carreira e sua preparação para cobrir a Copa é a que ele próprio oferece,
sem nenhuma investigação por cima. E o vídeo – potencialmente bombástico, ainda
que (frisemos) sem créditos – passa despercebido. Deduzo que alguém gravou o
depoimento para uso futuro, mas não contava que o próprio Keldorf o publicasse
– e talvez mais ainda, que os posts de Keldorf no Facebook chamassem atenção. O
noticiário dinamarquês descobre o caso primeiro, de qualquer modo. Não é um
cara com faro jornalístico – se fosse, tentaria vender sua história e iria
atrás da pauta que descobriu, ao invés de voltar correndo para seu país natal.
Não: ele volta depois de
vender uma só matéria televisiva, e após gravar um depoimento para pessoas
misteriosas. Que acharam sua história ótima para um vídeo de 40mins, mas que
perdem a exclusividade dela para um post no facebook – por acidente ou por
plano, não sabemos. E que permitem (ou não impedem) que o próprio Mikkel
Keldorf publique o vídeo em sua conta pessoal no YouTube.
Não acredito na história de
Mikkel Keldorf. Para mim, ele voltou por falta de trabalho e romantizou a
situação em benefício próprio, convencendo algumas pessoas no meio do caminho –
que chegaram a gravar um vídeo, mas não o publicaram. Talvez por acharem que
não valia a pena. Chamo a atenção para o fato de que o único trabalho que
Keldorf comercializou aqui é… em vídeo. Editado por ele próprio. Talvez ele
próprio tenha editado o vídeo, a partir de brutas que os autores originais não
quiseram usar. Pode ser tudo um hoax razoavelmente bem elaborado, mas não creio
nisso: acho que é apenas a tentativa de um jornalista meia-boca em tirar algo
de bom de uma iniciativa profissional fracassada. E uma mostra de como, para
ganhar cliques, nossa imprensa brasileira publica qualquer coisa. Inclusive
longas matérias cuja única fonte é uma postagem de um desconhecido no Facebook.
Atualização 16h:38min
Como a repercussão do meu post
sobre Mikkel Keldorf Jensen foi muito além do que eu imaginava, acho justo eu
fazer um DISCLAIMER aqui, digamos.
Eu realmente não achava que o
post (tanto esse quanto os que fiz no Twitter) iria tão longe. Foi algo que fiz
em cerca de 1h30, durante a madrugada, sem maior pretensão (as postagens no
Twitter eram em tempo real, inclusive). Fica como mais uma lição para mim sobre
o alcance das redes sociais, sempre prontas a nos surpreender. Não tenho tese a
provar sobre o dinamarquês, embora tenha formado uma teoria – que pode, é
claro, estar errada e acho que será muito melhor se estiver errada mesmo. Não é
uma denúncia nem uma acusação: é um levantamento de dados – que eu acho que
deveria ter sido feito pelos veículos ANTES de publicarem a história, e esse é
um dos pontos principais do que acabei fazendo.
Quanto às denúncias dele e a
necessidade de verificá-las, obviamente concordo com isso. Não acho que as
coisas sejam excludentes e não tenho interesse de desprestigiar um trabalho
jornalístico sobre a situação de crianças de rua – nem de fazer character
assassination do dinamarquês! Meu ponto é: tinha MUITA informação relevante
sobre o caso que NINGUÉM se preocupou em levantar antes de publicar a história,
com base exclusiva numa postagem de facebook. Nem no YouTube do cara foram
antes de publicar, nem as redes sociais todas dele se deram ao trabalho de
conferir! Muito mais que uma crítica a ele (que nem é a ideia), é uma crítica
ao modo como publicam algo só para levar cliques, sem apurar praticamente nada
antes disso.
A situação terrível das
crianças de rua é conhecida há tempos e não é de hoje que merece uma ação
jornalística mais efetiva e dedicada. A Caravana da Periferia, por ex, cuida há
anos desse tema em Fortaleza. Esse esforço pode e deve ser estimulado, e se o caso
de Mikkel Keldorf ajudar nisso, será um fruto positivo disso tudo. Se ele fizer
mesmo o documentário que anuncia em entrevista da manhã de hoje ao UOL, espero
que seja um bom material e bastante esclarecedor, embora pessoalmente não
acredite muito nisso. Não tenho nenhum apego pela minha “tese” – embora ache
que sim, um jornalista tem dever e obrigação de ser bem mais responsável com as
informações que possui do que Mikkel me parece ter sido. Mas isso é opinião
pessoal.
Na verdade, tem muita coisa a
ser discutida aqui. Por que precisa o dinamarquês falar nisso para virar pauta?
É aceitável que um jornalista apenas mencione um fato de tal gravidade, sem
mostrar comprovação alguma do que diz? O “gringo” tem tanta credibilidade que
basta falar no facebook para ser notícia no Brasil todo? As abordagens
possíveis dessa situação são muitas e todas me interessam. Acredito que, no fim
das contas, fica faltando responsabilidade e reflexão – acho que esse é o
grande “tema” do meu post, digamos. Poderíamos ter sido informados melhor, com
mais profundidade e um pouco mais de calma – e esse post e essa conversa toda
nem precisaria existir.
Ps.: Pragmatismo Político
também tentou contatos com Mikkel Jensen via Facebook e telefone. Até a tarde
desta quarta-feira, a página não obteve resposta.