O Revista Camocim reproduz o genial artigo do Celso Vicenzi, publicado em agosto de 2013 no site Folha Social.
Ele não sabe que o custo de
vida, o preço do feijão, do peixe, da farinha, do aluguel, do sapato e do
remédio dependem das decisões políticas. E que elas – na era da informação
instantânea de massa – são muito influenciadas pela manipulação midiática dos
fatos. Não vê a pressão de jornalistas e colunistas na mídia impressa, em
emissoras de rádio e tevê – que também estão presentes na internet – a anunciar
catástrofes diárias na contramão do que apontam as estatísticas mais
confiáveis.
Avanços significativos são
desprezados e pequenos deslizes são tratados como se fossem enormes escândalos.
O objetivo é desestabilizar e impedir que políticas públicas de sucesso possam
ameaçar os lucros da iniciativa privada. O mesmo tratamento não se aplica a determinados
partidos políticos e a corruptos que ajudam a manter a enorme desigualdade
social no País.
Questões iguais ou semelhantes
são tratadas de forma distinta pela mídia. Aula prática: prestar atenção como a
mídia conduz o noticiário sobre o escabroso caso que veio à tona com as
informações da alemã Siemens. Não houve nenhuma indignação dos principais
colunistas, nenhum editorial contundente. A principal emissora de TV do País
calou-se por duas semanas após matéria de capa da revista IstoÉ, denunciando o
esquema de superfaturar trens e metrôs em 30%.
O analfabeto midiático é tão
burro que se orgulha e estufa o peito para dizer que viu/ouviu a informação no
Jornal Nacional e leu na Veja, por exemplo. Ele não entende como é produzida
cada notícia: como se escolhem as pautas e as fontes, sabendo antecipadamente
como cada uma delas vai se pronunciar.
Não desconfia que, em muitas
tevês, revistas e jornais, a notícia já sai quase pronta da redação, bastando
ouvir as pessoas que vão confirmar o que o jornalista, o editor e,
principalmente, o “dono da voz” (obrigado, Chico Buarque!) quer como a verdade
dos fatos.
Para isso as notícias se
apoiam, às vezes, em fotos e imagens. Dizem que “uma foto vale mais que mil
palavras”. Não é tão simples (Millôr, ironicamente, contra-argumentou: “Então
diga isto com uma imagem”). Fotos e imagens também são construções, a partir de
um determinado olhar. Também as imagens podem ser manipuladas e editadas “ao
gosto do freguês”.
Há uma infinidade de exemplos.
Usaram-se imagens para provar que o Iraque possuía depósitos de armas químicas
que nunca foram encontrados. A irresponsabilidade e a falta de independência da
mídia norte-americana ajudaram a convencer a opinião pública, e mais uma guerra
com milhares de inocentes mortos foi deflagrada.
O analfabeto midiático não
percebe que o enfoque pode ser uma escolha construída para chegar a conclusões
que seriam diferentes se outras fontes fossem contatadas ou os jornalistas
narrassem os fatos de outro ponto de vista.
O analfabeto midiático imagina
que tudo pode ser compreendido sem o mínimo de esforço intelectual. Não se
apoia na filosofia, na sociologia, na história, na antropologia, nas ciências
política e econômica – para não estender demais os campos do conhecimento –
para compreender minimamente a complexidade dos fatos. Sua mente não absorve
tanta informação e ele prefere acreditar em “especialistas” e veículos de
comunicação comprometidos com interesses de poderosos grupos políticos e
econômicos.
Lê pouquíssimo, geralmente “best-sellers”
e livros de autoajuda. Tem certeza de que o que lê, ouve e vê é o suficiente, e
corresponde à realidade. Não sabe o imbecil que da sua ignorância política
nasce a prostituta, o menor abandonado, e o pior de todos os bandidos que é o
político vigarista, pilantra, o corrupto e o espoliador das empresas nacionais
e multinacionais.
O analfabeto midiático gosta
de criticar os políticos corruptos e não entende que eles são uma extensão do
capital, tão necessários para aumentar fortunas e concentrar a renda. Por isso
recebem todo o apoio financeiro para serem eleitos. E, depois, contribuem para
drenar o dinheiro do Estado para uma parcela da iniciativa privada e para os
bolsos de uma elite que se especializou em roubar o dinheiro público.
Assim, por vias tortas, só
sabe enxergar o político corrupto sem nunca identificar o empresário corruptor,
o detentor do grande capital, que aprisiona os governos, com a enorme
contribuição da mídia, para adotar políticas que privilegiam os mais ricos e
mantenham à margem as populações mais pobres. Em resumo: destroem a democracia.
Para o analfabeto midiático, Brecht teria, ainda, uma última observação a
fazer: Nada é impossível de mudar. Desconfiai do mais trivial, na aparência
singelo. E examinai, sobretudo, o que parece habitual.
Por Celso Vicenzi, no Vermelho
Fonte: Folha Social