O Chico Sabino era o caboclo mais cotrovieiro que conheci em minha vida. Não sei por que tanto sucesso com as quengas, que o bicho não era lá essas coisas de boniteza, sendo mais para feio que bonito; ainda por cima com aquele andar de camiranga, assim de vinte-nove-trinta, como se tivesse um eterno espinho de jurema ou juazeiro entranhado ao pé. Acho que era naquele caxingado, naquele remelexo no andar que atraía o muito das mulheres. Fosse lá o que fosse, o certo é que ele parecia ter sido lambuzado de mel, pois as pareceiras voejavam em volta dele, como as mariposas em torno da luz. Com tantas mulheres para dar conta, era comum o conflito entre as tais e vez por outra andava ele às voltas para conciliar as muitas rusgas disto advindas. Houve um caso de uma delas, enciumada a mais da conta, que andou corta não corta o instrumento dele. Salvou-se por um triz, que, apesar de alto, era mais ligeiro que um gato, negando o corpo à navalha, que passou raspando e tão perto foi que ele sentiu um arrepio de pele. Tão perto foi e de tal sorte que pelo chão ficou foi uma maçaroca de cabelo assim. Esta ele dispensou por medo de ficar inválido. Quando as outras souberam disto, quase matam aquela da navalha. Peia para dez ela tomou sozinha. Escapou no chá do mastruz e na água da casca de aroeira!
Meus amigos, o bicho era tão raparigueiro que chegou mesmo a se amasiar com a Izaltina, sua comadre de igreja, sendo ele padrinho de um dos filhos dela. Mas, justiça seja feita, se alguém teve culpa nisto, não foi ele, não! Ela é que começou aquele arrastado de asa para ele, pois era de raça, puxando à mãe, esta que teve oito filhos, cada qual de pai diferente. Ora, pólvora não pode chegar perto do fogo, e ela, naquela pouca vergonha, se esfregando nele, dizendo isto e aquilo em sussurros entremeados de risos, mordiscando a orelha dele, alisando aqui e ali, pegando onde não devia... quem poderia aguentar tanta tentação, hein? Coitado, lutar bem que lutou, mas acabou como acabou Adão, com o dente cravado na maçã!
Disto resultou um amancebamento para não ter fim, pois já na outra semana estavam morando debaixo do mesmo teto, e o culumim, ainda na mama, agora afilhado e enteado, parecia filho dele, naquele andar pra cima e pra baixo com o bichinho no braço. Foi tão grande o apego entre os dois que o menino ao crescer ficou imprialzinho ao padrasto. Cara de um, aquilo do outro, como diz o ditado! Diziam as más línguas que o menino era filho dele; mas nisto não ponho fé, que ele, apesar dos pesares, tinha lá os seus princípios! Certo que caiu; mas quem pode resistir aos assédios de uma mulher, mesmo sendo comadre?
Meus amigos, aquele casal viveu feliz, mesmo na infelicidade do corneado Zé da Zilda, ex- marido dela e compadre do outro, que, não aceitando aquela condição de chifrado, passou a beber toda a aguardente da Ibiapaba, mormente a amansa-corno, findando por se juntar com uma jumenta do pasto, daí fazendo vida com ela até o dia de sua morte dele.
Ocorre que um dia, muitos anos depois de juntos, eles intentaram de fazer uma viagem à Brasília, para visitar parentes e amigos, antigos candangos, e foi aí que o Chico Sabino se deu mal, pois, estando lá há alguns dias, ele e a mulher, digo, comadre, acordaram de voltar a Camocim dali a três dias. Isto acordado, tomou o rumo do aeroporto a fim de comprar as passagens. Acontece que, chegando lá, não havia passagem senão para 15 dias depois, salvo duas que havia, por desistência de outros, para aquela noite. Ora, o pobre do Chico Sabino correu dentro, como dizem nossos pescadores, comprando as passagens imediatas por ser a coisa mais lógica a fazer. Quando a Izaltina sou disto, ficou uma fera e entrou num choro de não ter fim, pois alegava, entre soluços, que havia tratado com uma comadre tal uma entrevista para aprender uns pontos de bordados (por certo queria pintar e bordar; mas isto já é por conta da minha maldade!). Porém, mesmo a despeito de muito choro e impropérios, como quer que tenha sido, pegaram o avião naquela mesma noite, mesmo por que não havia sentido em se ficar mais 15 dias pelo mundo, que visita depois de 24 horas começa a cheirar mal, tal qual defunto.
Ora, uma vez de volta, em Camocim, aproveitando uma ausência do Chico Sabino, o compadre, a Izaltina abriu os peitos no mundo e ninguém mais soube do seu paradeiro, senão depois de mais de mês, quando ela bem quis anunciar onde estava. Pois não é que estava em Brasília (talvez na casa daquela comadre dos pontos de bordado, pois sim!) e o pobre do Chico Sabino aqui, de bodega em bodega, por certo todo corneado, tomando toda a amansa-corno da Ibiapaba, pagando na mesma moeda a conta que abrira com o compadre, o da jumenta.
Ora, depois de se fartar e por certo sendo rejeitada pela comadre (pois sim!), telefonou ao corno, digo ao compadre, este agora com uns chifres deste tamanho assim, dizendo que voltaria para casa; mas depois disto e daquilo, fazendo um tanto de exigências, como, por exemplo, passar os bens quase todos para ela, isto sem contar a feitura de uma casa nova na rua tal.
Meus, amigos, não é que o Chico Sabino, raparigueiro feito o cão, famoso por ser durão com as mulheres, meteu o rabo entre as pernas, aceitando todo tipo de exigência daquela quenga! Que diabos ela fez com ele para que ficasse assim, comendo na mão dela, feito bicho enjeitado!
Pois bem, ela voltou; mas só depois de cumprida a última exigência e até hoje estão juntos; mas daí em diante passou a cornear ele com todos a vida inteira... Agora, por força da idade, é uma mulher direita, que está que é um cangaço de arraia roído de siri, sumida de carne, sem ter quem se arrisque, mesmo para fazer o mal... e o pobre do Chico ali, ainda assim morto de corno, sem nunca mais ter arranjado uma rapariga, feito um cordeiro.
Morreu, Chico do Cão!