"Prefeitura de Camocim usou bolsas para burlar concursos e manipular eleição”, diz Promotor Eleitoral - Revista Camocim

quarta-feira, 28 de maio de 2025

"Prefeitura de Camocim usou bolsas para burlar concursos e manipular eleição”, diz Promotor Eleitoral

 Prefeitura teria contratado quase 700 pessoas por meio de “programa de capacitação” às vésperas da eleição. Promotor pede cassação de diploma e inelegibilidade de ex-secretária. 



O Revista Camocim inicia, a partir de hoje, a análise dos pontos centrais do parecer do Ministério Público Eleitoral que solicita a cassação dos diplomas da prefeita de Camocim, Betinha, e da vice-prefeita Mônica Gomes Aguiar. O destaque inicial recai sobre o polêmico programa de “capacitação profissional” implementado pela Prefeitura de Camocim em 2024, que foi duramente criticado pelo Ministério Público Eleitoral (MPE). Em parecer assinado pelo Promotor Eleitoral Victor Borges, o MPE aponta que a iniciativa foi usada como uma fachada para a contratação temporária de 697 pessoas sem concurso público, com o claro objetivo de “influenciar o resultado das eleições municipais”.


A iniciativa, realizada em parceria com a Fundação de Cultura e Apoio ao Ensino, Pesquisa e Extensão (FUNCEPE), prometia ofertar bolsas de R$ 600 a R$ 2.000 para munícipes participarem de atividades práticas em secretarias municipais e aulas teóricas mensais. No entanto, o que se vendeu como capacitação, revela-se, segundo o promotor, como uma “contratação disfarçada de pessoal”, realizada “em pleno ano eleitoral”, o que é vedado pela legislação.


“Apesar do aparente recrutamento para curso de capacitação, a ação consistiu em dissimulada contratação temporária de pessoal com vistas a influenciar o pleito eleitoral”, afirma Victor Borges no parecer.


Repetição de uma velha prática


O Promotor ressaltou ainda que a mesma estratégia foi adotada em 2018, sob a gestão da então prefeita Monica Aguiar e da secretária de Educação Maria Elizabete Magalhães (Betinha) — que agora figura como principal investigada. Naquele ano, o programa visava beneficiar a candidatura do marido da prefeita a deputado estadual. Coincidência ou não, os mesmos vícios reapareceram em 2024.


Entre as irregularidades identificadas, o promotor destaca:


“Cursos genéricos”, como “Postura Profissional e Pessoal” e “Comportamento e Desenvolvimento Humano”, sem descrição clara de competências a serem desenvolvidas;


“Falta de dotação orçamentária específica”, com os custos sendo rateados entre secretarias conforme o número de bolsistas – evidência de que se tratava de ocupação de funções regulares;


“Avaliação metodológica frágil”, baseada apenas em controle de frequência;


“Valores de bolsas variando conforme a função prática”, revelando que a remuneração era ajustada ao tipo de trabalho exercido – não ao processo formativo.


Desvio de finalidade e abuso de poder político


O promotor sustenta que houve desvio de finalidade da Administração Pública, um dos elementos centrais para configurar abuso de poder político segundo a Lei Complementar nº 64/90. E, nesse caso, não é necessário comprovar que a ação alterou o resultado da eleição, apenas que foi suficientemente grave para desequilibrar a disputa.


“A gravidade resta configurada pela utilização da máquina pública para favorecimento de interesses privados-eleitoreiros”, pontua Victor Borges, que pede a “cassação do diploma” da chapa eleita e a “inelegibilidade de Maria Elizabete Magalhães (Betinha) por 8 anos”.


Clientelismo


O caso lança luz sobre uma prática ainda recorrente em pequenos e médios municípios: a criação de programas de cunho social que, na prática, operam como instrumentos de clientelismo e controle eleitoral. Ao oferecer bolsas em troca de apoio político indireto, gestões locais burlam tanto o espírito da lei quanto os princípios constitucionais de moralidade e impessoalidade na administração pública.


Além disso, o uso estratégico do calendário, concentrando a implementação em ano eleitoral, tornou claro o planejamento político por trás da ação. A iniciativa poderia ter sido posta em prática em qualquer dos três primeiros anos da gestão, mas foi “oportunamente iniciada às vésperas do pleito”.


Próximos passos


A denúncia segue em análise pela Justiça Eleitoral. Caso o parecer seja acolhido, Maria Elizabete Magalhães poderá perder o direito de ocupar cargo público eletivo pelos próximos oito anos. O caso se soma a outros processos semelhantes no Ceará, tornando ainda mais robusta a necessidade de “maior fiscalização sobre o uso de programas sociais em contextos eleitorais”.


Carlos Jardel