Por César Augusto Rocha
O ser humano, ápice da criação divina, foi
feito para brilhar e resplandecer dentre todas as demais criaturas já que fora
moldado à imagem e semelhança de Deus. Vocacionados para a transcendência e
constituídos da mais alta dignidade, fomos dotados de razão, inteligência e
liberdade para vivermos em uma autêntica fraternidade universal. Sobre esse
atributo próprio do ser humano – a dignidade - Immanuel Kant, filósofo alemão
do século XVIII, afirmou categoricamente: "No reino dos fins, tudo tem ou
um preço ou uma dignidade. Quando uma coisa tem preço, pode ser substituída por
algo equivalente; por outro lado, a coisa que se acha acima de todo preço, e
por isso não admite qualquer equivalência, compreende uma dignidade."
Esse é o fim para a qual fomos
criados! Todavia, mais uma vez rompemos com o projeto original de Deus e nos
afastamos de seus desígnios. Na contemporaneidade, vivemos um processo selvagem
de “coisificação do ser humano e humanização das coisas”, ou seja, o homem
criado para amar as pessoas e usufruir dos bens materiais para o seu pleno
desenvolvimento, vai gradativamente invertendo essa relação e assim, perde a
sua identidade existencial e mergulha num estado de profunda alienação social e
religiosa onde ele se torna estranho para si próprio. Um exemplo claro disso, é
a problemática do TRÁFICO HUMANO abordada pela Campanha da Fraternidade em
2014.
Por Tráfico Humano, entende-se:
“o recrutamento, o transporte,
a transferência, o alojamento ou o acolhimento de pessoas, recorrendo à ameaça
ou uso da força ou a outras formas de coação, ao rapto, à fraude, ao engano, ao
abuso de autoridade ou à situação de vulnerabilidade ou à entrega ou aceitação
de pagamento ou benefícios para obter o consentimento de uma pessoa que tenha
autoridade sobre outra para fins de exploração.” (Protocolo Adicional à
Convenção das Nações Unidas contra o Crime Organizado Transnacional relativo à
Prevenção, repressão e Punição do Tráfico de Pessoas, em especial de Mulheres e
Crianças).
Enquanto Igreja, como podemos
combater essa mazela social que movimenta cerca de 32 bilhões de dólares por
ano no Brasil? Qual é o nosso papel diante dessa conjuntura? Entendo que o
primeiro passo é a conscientização pessoal e comunitária que passa
necessariamente pelo resgate do valor inviolável da vida e pelo rompimento com
a ideologia do descartável. Nesta sociedade do descartável, onde tudo é
extremamente pragmático e cheio de objetividade, os laços duradouros do amor,
da ternura e do aconchego vão aos poucos deixando de existir. Na realidade,
nada em tempos como esse, foi feito para durar muito tempo! Nessa dimensão,
como afirma o sociólogo Zygmunt Bauman, vão surgindo dois tipos de
relacionamento: os chamados “relacionamentos de bolso”, práticos, sempre ao
nosso alcance, daqueles que posso dispor sempre que eu achar necessário e os
“relacionamentos virtuais”, que aparecem e desaparecem com a mesma velocidade
das novas tecnologias, fáceis de manusear e de certa forma, descomprometidos,
pelo menos no que se refere ao envolvimento presencial.
E finalmente, é necessário
trabalhar a prevenção e o exercício da dimensão profética de nosso batismo. Sem
profetismo não há cristianismo! A Igreja não deve assumir o lugar do Estado
naquilo que lhe compete, mas pode e deve cobrar uma atuação mais qualificada e
eficiente de seus mecanismos de repressão ao crime. Os cristãos leigos e
leigas, inseridos nas diferentes realidades sociais, devem ser os artífices
dessa transformação social, assumindo o seu lugar junto aos pobres e as vítimas
do tráfico humano. Certamente, se saíssemos um pouco dos templos e de nossas
pastorais de manutenção, conseguiríamos avançar muito mais na construção do Reino
de Deus, síntese de toda a pregação de Jesus.